O MEU OLHAR >> Carla Dias >>


Hoje eu compreendi que meu olhar é meu. Posso emprestá-lo, mas assim, como fonte de consulta. Meu olhar é meu. O que enxergo é diferente do que você enxerga e amém a isso. Assim, haverá sempre o que se aprender. Meu olhar, que é meu, somente meu, e que posso emprestar a quem desejar conhecê-lo, também reconhece sincronismos. Acontece do meu desejo, apesar de dessemelhante no olhar, aprumar-se no colo do olhar do outro; no desejo do outro. Meu olhar ainda é meu, mas compreende que, vez ou outra, não consegue reconhecer tons; desapega-se da luz em um fechar pálpebras e nem sempre adormece. Assim, importa-se em nada quando precisa desnublar perspectivas, ampliar horizontes, repensar contornos. Meu olhar tem mania de se meter em diferenças. Deslumbra-se fácil com a excentricidade – identifica nela o que a plenitude lhe nega –, dá de desfocar, só para alcançar a crueza do que é e se enfeita tanto, mas tanto, que se perde na invencionice. Meu olhar se torna mar, sabe escoar dores, esvaziar-se de ressentimento e destrançar saudade. É que saudade de olhar dói no corpo todo. Dói na alma. Dói durante períodos indeterminados, de acordo com a ausência que é obrigado a observar. Meu olhar também se arrepende quando, em dia menos auspicioso, lança ao mundo um enxergar torto, daqueles de tirar justiça e respeito dos seus espaços. Olhar que adora se perder, mas acontece de se encontrar em outro e até de se perder de novo, mas em recinto menor, onde cabem silêncios que ele ainda não sabe ler. Meu olhar se agonia com silêncios, quando não consegue enxergar ritmo e significado. Ainda assim, permanece atento, que também é de se entreter com imaginados e se emocionar com inconclusivos. Acredita que tudo que alcança está inacabado. Vê beleza nisso, na possibilidade de conclusão. Meu olhar é meu, mas se joga ao mundo, lança-se aos braços do absurdo, quer alcançar o que a ele disseram ser invisível, impossível de ser tocado. Olhar gosta de tocar o improvável. É que meu olhar é ousado. Deu de existir diferente. Deu de existir. Deu de ser meu, desassombrado. Deu de ser de quem quiser hospedá-lo. 

Imagem: L’archeologo solitario © Giorgio de Chirico

carladias.com

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