AMANTES, FIÉIS E SUAS GRADES >> Albir José Inácio da Silva

 

Mesmo entre os punitivistas, ou entre os que acreditam que bandido bom é bandido morto, não há coração que fique insensível ao drama das mulheres encarceradas por amor.

 

Claro que não existe o crime de amar. Elas estão presas por tráfico, organização criminosa e outros delitos. Mas basta uma olhada em suas vidas para saber que não eram bandidas, eram companheiras e mães, cuidavam dos filhos, e não tinham anotações criminais.

  

Nem mesmo queriam ficar ricas, dominar territórios e eliminar desafetos. Seu erro foi amar, acompanhar, obedecer e, em alguns casos, ficar na cadeia em lugar de seus maridos. Afastadas de suas famílias, algumas sentem o leite empedrado no peito porque deixaram de alimentar seus bebês quando foram presas.

 

Os companheiros, por sua vez, não tiveram qualquer escrúpulo em colocá-las na linha de frente segurando o fragrante, enquanto eles desapareciam no território que conhecem como a palma da mão.

 

Da mesma forma, é triste ver as almas ingênuas que, vítimas de charlatanismo político e religioso, foram parar atrás das grades. Claro que não estou falando de terroristas de carteirinha que têm a suástica tatuada na alma.  Falo dos tiozinhos e tiazinhas, vovôs e vovós, que deixaram suas famílias porque pensaram estar atendendo a um chamado divino para participar de uma guerra santa. Contrariaram os fundamentos de sua própria fé, que se baseia no amor ao próximo e respeito ao bem comum, e se transformaram num bando de criminosos.

 

Não há muito que se possa fazer por eles agora. Foram processados segundo as leis e o devido processo legal.  Já não podemos salvá-los da punição. São vítimas de seus enganadores e agora vão ficar presos por muitos anos, longe dos filhos, das mães doentes e dos pais idosos. 

 

Num momento confuso da nossa História, numa manobra política dos que se diziam antipolítica, eles foram arrastados como ovelhas para o matadouro de uma guerra perdida.  Precisavam ajudar Deus a vencer o mal, o que naquele momento significava invadir a sede da República que era governada pelo demônio e seus anjos.

 

Não eram reivindicações por salário, saúde, educação, como acontece em tempos normais. Foram convocados, em nome da fé, para defender os interesses inconfessáveis de seus líderes. Líderes que acompanharam suas desventuras pela televisão, das salas de suas mansões, com carros de luxo na garagem e jatinhos no hangar.

 

Não podemos tirar da cadeia quem efetivamente cometeu crime. Está claro que não invadiram os palácios - como disseram em seus depoimentos - para orar e cantar hinos de louvor. Mas também não podemos cometer o crime de permitir que seus líderes fiquem livres, conspirando e sendo endeusados como novos messias nos palanques e púlpitos.

 

 É imoral jogar na cadeia o ladrão de galinhas e proteger o ladrão da democracia, da dignidade e da fé. Há um desequilíbrio que o país precisa corrigir. Se pobres e ingênuos precisam estar presos, devem estar acompanhados de seus manipuladores.

 

A deusa Themis só conseguirá reequilibrar os pratos da sua balança da justiça no dia em que colocar na cadeia, além das mulheres que amam demais, seus maridos criminosos. E colocar, na mesma cela em que estão as mentes manipuladas, os manipuladores das mentes.

 

A impunidade de uns é injustiça com todos, principalmente com os punidos.

 

Lembremo-nos de que essa mesma impunidade, que perdoou os golpistas de 1964, levou-nos a nova tentativa de golpe em 08 de janeiro de 2023.

 

Sem anistia!

Comentários

Anônimo disse…
Texto pertinente Albir. Essa distância entre amar e errar deveria ser parte da interpretação do juiz. Não é isso que dizem? A interpretação da lei pelo juiz tem um peso na decisão. No caso dessas mulheres, tem uma pitada de machismo. Penso que sim. André Ferrer aqui.
Jander Minesso disse…
Sem dúvida, há um desequilíbrio que o Brasil precisa corrigir. Mas a questão que nunca sai da cabeça é: como?
Ana Raja disse…
Os homens têm a liberdade no momento em que nascem, as mulheres são presas à regras de sobrevivência.
Zoraya Cesar disse…
Crônica absoluta de D
Albir. De uma tacada só, expôs a injustiça patriarcal calcada no imaginário feminino de que a mulher tem de provar seu amor através do sacrifício extremo e a injustiça social, que passa a mão na cabeça de uns e apedreja outros.

Concordo 100% c Ana Raja

E essa última frase, "a impunidade de uns é injusta para c todos, principalmente os punidos"... é lapidar!
Clara Braga disse…
Texto maravilhoso Albir! A frase "A impunidade de uns é injustiça com todos, principalmente com os punidos." encerra a crônica de forma magistral.

Adorei!

E sem anistia!
Soraya Jordão disse…
Ainda hoje, me pergunto: Por que? Pra quê? Por quem? Maravilhosa sua crônica.
Albir disse…
Obrigado pelos comentários generosos.

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