Jasmim >> Alfonsina Salomão


Sexta passada uma amiga me convidou para jantar na sua casa. Fui feliz da vida porque, além de encontrar duas pessoas queridas, este era um programa que eu podia fazer com minha filha mais velha, Jasmim. Não tanto porque adoro sair carregando cria, mas principalmente porque assim o marido não pode dizer que ficou com as crianças para que eu saísse. Embora ele repita que eu faço o que quero, sei que não é bem assim e prefiro não usar minhas fichas inutilmente. Sair com um dos filhotes não conta, é como seu não tivesse saído. Em outras palavras, levando a Jasmim continuo com crédito para outras noites da semana.

A amiga que me convidou tem um menino de onze anos. Estava também outra amiga nossa, acompanhada dos filhos de nove e dez anos. Jasmim acaba de completar nove anos. Embora eu quase morra de nostalgia quando vejo uma mulher amamentando ou carregando o bebê na echarpe, e me sinta algo velha quando digo que sou mãe de duas crianças “grandes”, nestas horas fico super feliz por ter deixado a primeira infância para trás. É uma maravilha tomar cerveja e jogar conversa fora na cozinha entre adultas, terminar as frases e falar de coisas que não têm nada a ver com os filhos enquanto eles brincam no quarto, bem longe da gente.

 

Não eram nem nove da noite, as crianças já tinham comido e sumido e eu estava começando a relaxar quando Jasmim apareceu na porta da cozinha, visivelmente transtornada. 

 

- Vamos embora! - ela disse, sem contornos. 

 

Me levantei e ela abraçou minhas pernas, murmurando: 

 

- Mamãe, eu quero ir embora agora.

 

Senti suas mãozinhas agarrando minhas costas, sua cara enfiada na minha barriga. Ao mesmo tempo em que buscava me tirar dali, Jasmim tentava esconder a emoção das minhas amigas, que estavam tão surpresas com a cena quanto eu. 

 

- O que aconteceu minha filha? 

 

- Vamos embora agora mamãe! - ela respondeu, seca, sem deixar espaço para nenhuma conversa. 

 

Percebi que a coisa era séria. Jasmim é extremamente social, ela seria a garota popular se nossa vida fosse um seriado de escola norte-americano, e eu nunca a havia visto agir desta forma. Minha amiga até tentou negociar: “Mamãe vai só ali fora fumar um cigarrinho com a gente e depois vocês vão”, mas não houve conversa. Sob o olhar incrédulo das amigas, que como eu pensavam ter atingido um estágio da vida dos filhos em que as conversas não são abruptamente interrompidas, chamei um uber e fomos embora, deixando o copo de cerveja meio cheio meio vazio em cima da mesa. 

 

Dentro do carro tornei a perguntar: 

 

- O que houve minha filha?

- Lá em casa eu te conto! – ela retrucou por entre os dentes semicerrados, decidida a não dizer nada na frente do motorista. Respeitei. De toda forma, não adiantava insistir.

 

Quando chegamos, a casa estava em silêncio. O pai roncava num colchão no chão ao lado da cama do caçula, que até hoje exige nossa presença para adormecer. Mal entramos e tornei a perguntar qual era o problema. Estava começando a ficar aflita com tanto mistério. 

 

Lá no quarto - ela sussurrou.

 

Entramos no quarto, fechamos a porta, sentamos na minha cama e apenas então perguntei novamente o que havia acontecido, adotando um ar falsamente despreocupado e assegurando-a de que podia sempre confiar na mamãe. Foi então que Jasmim começou a chorar, um choro sacolejado, pontuado de soluços e grunhidos de raiva. Parecia um bichinho tomado pela emoção, humilhado por estar sentindo tudo o que estava sentindo. À estas alturas meu coração batia rápido. Comecei a imaginar, senão o pior, pois afinal tratava-se dos filhos das amigas, o que poderia ser traumatizante para uma menina da sua idade. Quando Jasmim enfim começou a falar, foi de maneira fragmentada: 

 

- Ele disse.... ele disse... ele disse....

 

Ela repetia este começo de frase sem conseguir termina-la, soluçando e mergulhando no choro a cada nova tentativa. Quanto a mim, estava ficando cada vez mais difícil manter a normalidade. Até que, alguns “ele disse” mais tarde, ela cuspiu:

 

- Ele disse que está apaixonado comigo!

 

Que alívio! Sem pensar, sorri. O que a deixou ainda mais nervosa: 

 

- Eu não te contei pra você rir de mim! – gritou. 

 

Tentei disfarçar minha alegria, acolher seus sentimentos, fingir que compreendia a gravidade da situação e ao mesmo tempo explicar que não havia mal nenhum naquilo. As primeiras emoções amorosas da minha filha... Fico imaginando o turbilhão de sentimentos que ela deve ter experimentado: surpresa, vergonha, prazer, orgulho, talvez culpa, sabe-se lá o que se passa na cabeça e no coração de uma menina de nove anos, da minha menina de nove anos... Só sei que ela não estava preparada, nem eu...

 

ps: Hoje quem escreve é meu alter-ego, Nina Said, autora do blog www.minhasografrancesa.com 

 

 

Comentários

Zoraya Cesar disse…
Alfonsina Nina Amandita, a mulher dos mil nomes e das mil faces, todas encantadoras! que delicadeza e que delícia. Vc consegue falar de casamento, vida adulta, vida começando, sentimentos e emoções de uma vez só e na maior tranquilidade.
Nadia Coldebella disse…
São emoções tão fortes nessa fase! Inesquecíveis e que nos preparam para nossos relações adultas! Estou bem nessa fase com minhas meninas... Aiai!
Que texto bacana!

Amamos as aventuras em família da Nina! Filhos, casamento, sograaa... Traga ela mais vezes!
sergio geia disse…
Alfonsina, querida, gosto de seus textos, mas ADORO, ADORO, Nina Said, e o minha sogra francesa. Não só pela sensibilidade dela, pelos temas tão vida, a vida em ebulição, as referências parisienses, enfim, posso dizer que amo de paixão. Sigo lá o blog, claro, e sempre estou fazendo uma visitinha. E por favor: venha mais vezes. Sem queres que você tome o lugar da Alfonsina, claro. Beijos e obrigado por essa crônica tão delicada e cheia de vida.

Albir disse…
A um tempo suave e intenso, seus textos arrebatam o leitor, Alfonsina!

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