SUSTOS E LENÇÓIS >> Albir José Inácio da Silva
O cansaço desmaiava Willians na
cama, mas os acontecimentos do dia não o deixavam dormir. Olhos entreabertos,
braços estendidos pra baixo, queria descansar, mas a imagem da velha enrolada
no lençol até a cabeça esperando o caixão na casa da frente não o abandonava.
Arrependia-se agora das brigas
com Dona Dalva desde que pisou naquela vila. Não se passou
um dia em que não arengasse com a
Senhoria. E hoje não tinha sido diferente.
- Nada faz o senhor fechar esse
portão, né, Seu Ilha?
- Que Ilha, Dona Dalva? Que Ilha?
É Willians! Willians! – gritava. - Metade desse quintal tá sem muro, e a senhora
tá preocupada com o portão?
Willians ainda reclamava com a esposa Aline do
inferno que era morar ali, quando se ouviram os gritos de socorro na casa da frente.
- Acode lá, Will! – exigiu Aline.
Dona Dalva estava caída no chão e
a filha ajoelhada. Willians pegou a velha no colo e colocou na cama. Mas a SAMU
chegou só pra dizer que ela estava morta.
Willians se arrepiou quando soube
que carregara um defunto. Não que tivesse medo. Era macho, ex-pqd, fã de Bruce
Willis em Duro de Matar e seus heróis todos eram matadores, socadores e
explosivos. Mas não gostava dessas coisas.
A sogra de Will, Dona Deca,
gostava da Dona Dalva por uma única razão: ela infernizava a vida de Will, que
era uma coisa que ela mesma gostaria de fazer pessoalmente, mas a filha Aline
atrapalhava.
A noite encontra Will na cama,
morto de cansaço, tentando pegar no sono, mas a cabeça errando pelos
acontecimentos do dia. O ventilador empurra a porta aberta que encosta na parede
com um gemido e um baque ritmados. Haja nervos. Will já percebeu, mas está
cansado demais pra levantar e pensando
na defunta que carregou. Não que tivesse medo, mas não gostava dessas coisas.
Embora não tivesse medo, Will
reconhecia a conspiração universal para assustá-lo. Defunto na casa da frente e
agora um vento que mais parece gemido. Cai a chuva. O trovão foi bem perto. Acaba
a luz, deve ter sido todo o bairro. Só os relâmpagos iluminam o quarto. Will se
encolhe.
Mais um relâmpago e ele vê um
vulto branco de cócoras na porta do quarto, que levanta e se agita em direção à
cama. Will quer gritar, mas a voz não sai. Segura o abajur pelo meio e levanta
a base de metal.
Baque, grito, novo clarão. Aline
acorda.
A luz acende. A sogra está
enrolada no lençol, os olhos arregalados e o sangue começa a descer pela testa.
Will está em choque.
- O que é isso, mamãe?
A velha urra:
- Maldito cão dos infernos!
- O que a senhora tá fazendo
aqui? – pergunta a filha.
- Eu vim prender a porta que o
ventilador tá balançando. Não consigo dormir com esse barulho. - o sangue chega
na boca e ela grita mais ainda. – Ele quer me matar!
- Mas embrulhada num lençol,
mamãe!? Ficou maluca?
- Eu tô de camisola e não ando
por aí expondo minhas vergonhas.
Na delegacia Dona Deca quer a
prisão de Will por tentativa de homicídio. Aline quer ir pra casa, embora não esteja
convicta da inocência de Will.
O delegado queria mesmo era
prender todo mundo.
Will diverte-se sabendo que não vai
dar em nada. Sente-se corajoso por enfrentar o perigo e se alegra por ter sido
a sogra e não a Dona Dalva. Que Deus a tenha!
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