DEPOIS DE LÁ >> Carla Dias >>


Houve quando desejou saber onde ficava o fim do mundo. Haveria lá algum lugar onde se sentar e observar o começo dele? O pai lhe disse que isso era coisa de astronauta. Melhor crescer, estudar, fazer o possível para lidar com a realidade.

A realidade dele tinha nada a ver com o espaço. Já o olhar, esse se perdia pelo céu, caçava o infinito, apesar de teme-lo, profundamente.

Realidade sempre foi valorizada em sua casa, feito doutrina adquira em prol da sobrevivência. Eram realistas fervorosos. Contabilizavam dinheiros e se dedicavam a ter sempre o suficiente. Observavam a tudo de forma direta, a fim de resolver problemas, acertar arestas, organizar estratégias.

Sim, eram pessoas amáveis. Ele frequentemente se pegava a observá-los, pais e irmãos, a se tratarem com o amor em dia. Havia uma tranquilidade de sobreviventes que os servia bem. O problema era ele, que vivia com uma inquietude a lhe desaprumar, desarranjar o definido, desestabilizar realidade.

Tornar-se um realista praticante o ajudou a sobreviver. Sonhos, o pai sempre disse, são como desvios para aqueles que precisam sobreviver. Foi educado para entender que, para quem vive a realidade padecida, daquelas que fazem engolir choro necessário, o tempo todo, sonhos são particularmente perigosos.

Ainda menino, largou de vez o sonho de se tornar astronauta. Já o questionamento, desse não conseguiu se livrar, apesar de ter se dedicado muito para isso. E se há algo que questionamento cria, com certa naturalidade, é sonho.

Passou muitas horas lá no quintal de casa, deitado sobre um cobertor esticado sobre a grama, olhando para o céu. Imaginar aonde chegaria se pudesse embarcar nos mistérios dele, todas aquelas origens e finitudes estampadas no firmamento. Daí que a percepção sobre o infinito o agoniava, e, agoniado, ele deu de surpreender a realidade com devaneios.

A mãe tem certeza de que na conta das horas gastas lá no quintal que o destrambelho do filho foi parido. Os desejos que ele passou a verbalizar, à mesa do jantar; os sorrisos interrompendo a seriedade dos assuntos; a leveza com a qual ele tratava decisões importantes. Os olhares ausentes da presença dos outros, apegados ao destino desconhecido pelo coletivo.

As emoções que não eram mais explícitas.

Secretamente, o pai, quem vetou o sonho dele de menino, tirando astronauta da sua lista de quem ele poderia se tornar, rendeu-se ao ar de deleite do filho. Percebeu-se, também, necessitado de desejos nem sempre propensos à realização. Sabia que o menino - já um homem, o pai teve de aceitar - sofreria o diabo com esse negócio de querer chegar ao fim do mundo para apreciar o seu começo. Que ele também seria obrigado a entender aquilo de chegar ao fundo do poço, tocá-lo e emergir, para retomar fôlego. No fim das contas, sobreviver.

Segura um sorriso, enquanto observa seu menino sonhando, deitado lá no quintal, misturando-se ao céu.

O que será que há depois de quem sou?

Perguntou-se isso, tantas vezes, que se transformou. Também ele se sentiu infinito, reconhecendo que há em si o que desconhece; o que precisa compreender e assimilar. Ainda assim, infinito.

Imagem © Victor Nigro

carladias.com

Comentários

Anônimo disse…
Muito bom! É sempre uma delícia ler e reler suas Crônicas! Valeu, como sempre, receber esta gentileza Carla Dias!


Existiram, existem e sempre existirão
Pessoas boas, que se importa com outras pessoas.
E estas pessoas foram e sempre serão
Imprescindíveis.


Entre estas, incluímos Carla Dias.

Abraços,
Enio

Carla Dias disse…
Obrigada, Enio! Abraços!
Unknown disse…
Muito humana e realista... me parece que você descreveu a morte de um sonho concreto, apesar da sobrevivência do sonho da alma e do sonhador. Às vezes realmente é preciso encarar e aceitar a realidade para buscar novos caminhos... mesmo que o objetivo final não seja alterado...

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