A TAL DA BICICLETA >> Sílvia Tibo


Quando se tem entre dezesseis e dezessete anos, não há nada que se deseje mais do que entrar de vez na casa dos dezoito e, então, fazer os testes para conseguir a carteira de motorista. Ou, para os mais corajosos e aventureiros, de motociclista. 

No meu caso, a carteira de habilitação não veio aos dezoito. Nem aos vinte. Nem aos vinte e cinco. Nessa idade, pensava eu que de nada adiantaria ter a tal da CNH sem um emprego com remuneração razoável, capaz de cobrir, com folga, ao menos o valor do seguro anual, do combustível e do IPVA. 

Decidi, então, que não era tempo de pensar em carro, mas de estudar e conseguir um trabalho. E quando o trabalho chegou, decidi que era hora de sair do aluguel. E quando saí do aluguel, decidi que era preciso reformar a casa nova (já que, afinal, ela não era assim tão “nova”). 

O fato é que, durante um bom tempo, o projeto-carro esteve no finalzinho da minha lista de prioridades e desejos. Aquela que se faz a cada virada de ano...

Nessa época, cogitei várias vezes a possibilidade de, no lugar do carro, comprar uma bicicleta. Embora a topografia de Belo Horizonte não fosse (como não é) exatamente favorável à minha ideia, acreditava que, se eu adquirisse alguns itens de segurança, como capacete, buzina, farol e retrovisor, a bike poderia ser um excelente meio de locomoção. Daria pra ir de um lugar a outro com rapidez e baixo custo, sem falar na facilidade para estacionar. De quebra, daria uma forcinha para o meio-ambiente e queimaria milhões de calorias diariamente, abandonando de vez as entediantes corridinhas na esteira ergométrica da academia. 

A despeito de toda essa lista de vantagens, no final das contas, não sei bem como nem por que, acabei passando mais alguns anos a pé, sem bike e sem carro. Nas emergências, ônibus e táxis estiveram sempre ao meu dispor. 

Essa história toda me meio à mente num dia desses, enquanto fazia, de carro, o percurso entre um consultório médico e a minha casa, por volta das 18h de uma sexta-feira. Tive tempo de sobra pra me lembrar de tudo isso nos quase sessenta minutos em que permaneci imprensada entre dezenas de carros, todos tentando chegar ao fim de uma rua que, se já não dispunha, originalmente, de espaço suficiente para acomodar a quantidade de automóveis que por ali trafegam todos os dias, tornou-se ainda mais estreita de uns meses pra cá, desde que alguém teve a ideia de retirar uma das (poucas) faixas a eles destinadas e construir, em seu lugar, uma ciclovia. 

Palmas para esse alguém, o mentor do projeto-ciclovia. Sem dúvida, a ideia de reservar, nas vias públicas, faixas destinadas à circulação exclusiva de ciclistas é nobre, politicamente correta, digna de aplausos e reverências. E teria tudo pra dar certo em algumas partes do mundo. Como, aliás, já deu em muitas! 

Mas... opa! O detalhe é que estamos e continuamos em território brasileiro. 

Por aqui, como se sabe, nem de carro blindado se consegue circular com segurança atualmente. E, a despeito da Lei Seca, motoristas insistem em dirigir depois de se entupirem de álcool. Saem, então, como loucos, atropelando o que encontram pela frente, inclusive bicicletas que circulam no espaço que lhes é de direito. 

Sem falar que, ao menos em Belo Horizonte, as ciclovias abrangem uma parte ínfima da cidade, de modo que, no final das contas, levam nada a lugar nenhum. Entre uma e outra, o ciclista não tem outra opção a não ser se arriscar transitando entre ônibus, carros e caminhões. E aí, o negócio é rezar pra chegar ao destino vivo e sem nenhum arranhão. 

Com tantos obstáculos, físicos e culturais, não é de se estranhar que, por aqui, as ciclovias estejam, em sua maioria, às moscas. 

Num país em que se corta o IPI para compra de automóveis ao invés de se investir em metrô, a inversão de valores e prioridades é generalizada. E então, vê-se de tudo um pouco nas ciclovias: desde pessoas fazendo suas caminhadas matinais a barraquinhas de vendedores de frutas e legumes. Só não se vê, mesmo, a tal da bicicleta. 

Comentários

Zoraya disse…
Silvia, muito oportuna sua crônica. Sei que nao serve de consolo, mas garanto que no Rio é ainda pior...
Unknown disse…
Pois é, Zô!
Quem dera fosse simples assim trocar o carro pela bike, não é?
De nada adiantam as ciclovias sem o mínimo de segurança, respeito e conscientização...
Beijo!
Zoraya Cesar disse…
Aliás, qd vc vem ao Rio? Beijos
Zoraya Cesar disse…
Aliás, qd vc vem ao Rio? Beijos
Unknown disse…
Querida! Estou doidinha mesmo pra ir...
Onde é que já se viu uma mineira que aos 31 anos não conhece a cidade maravilhosa?
Uma vergonha... rsrs.
Meu marido adora o Rio e prometeu me levar!
Estávamos com planos de ir no feriado da semana santa, mas com a proximidade da Copa do Mundo, os voos andam muito inflacionados...
Vamos decidir direitinho... Mas, desde já, sinta-se "intimada" a tomar um café comigo, ta? Ou melhor, um suquinho gelado ou um açaí, que combinam muito mais com o calor delicioso do Rio, né?
Grande beijo!
Juraci disse…
Filhota,
tens razão. Se de carro tá difícil,o risco da ciclovia não anima nem s mais apaixonados pela bike. Deveriam repensar esse projeto de faixas para ciclovias.
Beijoka.

Zoraya disse…
Está, desde já, como minha convidada para o açaí!
Unknown disse…
Combinadíssimo, Zô! :)
Unknown disse…
Pai,
Obrigada pela visita ao blog!
Beijo grande!
albir disse…
Muito bom, Silvia. Acho que a bicicleta pode ser a redenção das cidades.

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