PODE SER QUE EU LHE MANDE UM BUQUÊ DE GIRASSÓIS >> Carla Dias >>


Uma amiga me perguntou, ainda outro dia, sobre aquele moço. Antes dela, um amigo comentou que sempre pensa naquele moço.

Eu já escrevi uma crônica sobre o moço, há tantos anos, que nem me lembro de quando. Mas diante das menções a ele, a lembrança veio inspiradora.

O moço em questão era atendente da videolocadora que eu frequentava. Pense em alguém com ar de tristeza... Era ele. Um moço alto, bonito, mas com essa feição triste que me cortava o coração.

Eu gastava um bom tempo na videolocadora, que eu adorava ficar conferindo os filmes, lendo sinopses. Decidir quais cinco filmes eu levaria para casa era algo que me aprazia. Como eu assistia a muitos filmes, às vezes eu pedia indicações aos atendentes da videolocadora. E desde que o moço começou a trabalhar lá, era ele que me atendia. Não houve filme que ele me indicou que me desagradasse. Sendo assim, concluí, em poucas locações, que o gosto daquele moço e o meu eram perfeitamente compatíveis.

Mas ele não sorria. Era educado, conversava comigo sobre os filmes, mas não sorria, e isso me deixava maluca. Quando não estava atendendo cliente, ele ficava em pé, perto de uma prateleira que dava espaço para se enxergar o lá fora pela janela. Perdia o olhar no lá fora, parecia hipnotizado pelo lá fora.

Os donos da videolocadora, assim como os outros atendentes eram jovens, cheios de energia. Eles adoravam um bate-papo com clientes e sorriam bastante. Em um cenário como este, o moço era destaque, um representante de primeira da melancolia.

A minha mania de me meter na melancolia alheia me levou a enviar para ele alguns girassóis, com um bilhete tão solar quanto à flor. Para mim, não há quem consiga esconder o sorriso de um girassol. Eu esperava que o gesto, completamente anônimo, que não queria perder a oportunidade de voltar à videolocadora, pudesse, ainda que por alguns instantes, afagar-lhe a alma.

Voltei algumas vezes à videolocadora, mas o moço continuava melancólico, mergulhado em si. De um jeito atravessado, apenas cultivei curiosidade sobre se, ao receber os girassóis, ele sorriu, ou os jogou no lixo... Não, disso eu duvido. Ele era mesmo gentil.

Gestos como este não são raros em minha história. Eu gosto de colaborar com a felicidade dos meus afetos. E quando eles estão tristes, ensimesmados de um jeito não muito bom, acabam recebendo um agrado diferente, de flores ao bolo de fubá para o café da tarde.

Alguns meses depois, a videolocadora fechou. Há algumas semanas, passei pelo moço, lá na rua de casa. Ele continua com aquele olhar triste, mas ao menos desta vez, em vez de admirar o lá fora pela janela, ele faz parte dele.

carladias.com

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