SALETE >> Ana Raja


Projetar linhas no papel é um ato estrondoso de liberdade, é um caminho com esquinas surpreendentes - nas suas curvas tortuosas, e desinteressadas - em eventos grandiosos. Então, se faz necessário o impulso, o estampido sem ritmo nem rima. Há de se ter uma imaginação astuta ou algo que o valha. 

Cada um tem o seu modo, resulta das mais variadas receitas, e assim vamos enfeitando ruas, becos, trilhas, lares assombrados, calçadas com os mais belos adereços. 

Ainda estou aturdida com o carnaval. 

Estou presa às letras do meu computador. Passo horas criando algo capaz de me conquistar, às vezes, anos debruçada em uma prosa, sem noção de como terminará, ou que nasceu pelo fim. 

Penso que os escritores criam para saciar o inconsciente, apesar de não fazerem ideia de como essa história chegará ao leitor. Imagine um ator no palco, ao interpretar o personagem, de cara temos outro alguém, mas a cada fala, gestos, é possível enxergar a sua voz. 

O escritor é um ator.

Esse texto está se tornando uma viagem. O tema é uma experiência ocorrida na revisão do meu livro. Voltemos para ele.

Troquei o nome de uma personagem, mas precisava confirmar se a troca tinha sido feita em todo documento. Escolhi a função pesquisar do Word e digitei o novo nome: Salete. O programa o mapeou por todo o livro. Ao conferir o resultado, achei engraçado. Não imaginava que a personagem tinha feito coisas pra caramba. Para vocês terem uma ideia, vou colocar aqui algumas passagens da pesquisa.


“Salete manipulou...”

“Salete acompanhava as novidades...”

“Salete levou as cinzas...” 

“Salete se sentia sonolenta...”

“Salete quis saber...”

“Salete assumiu...”

“Salete sucumbiu...”

“Salete entregou...”

“Salete e eu...”

“Salete tirou a bolsa...”

“Salete brincou um pouco...”

“Salete amou...”


Algum de vocês já fez isso com próprio texto?  É divertido. Esse recorte mostra os caminhos sinuosos percorridos pela personagem até o fim da história. 

A vida de Salete se desenhou em poesia.


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Imagem © Jill Wellington, por Pixabay

anaraja.com.br


Comentários

Jander Minesso disse…
Nada mais terapêutico do que escrever sobre a escrita, né? Me deu aquele quentinho bom no peito de ler seu texto, Ana.
Tatiana disse…
Achei o texto tão singelo. Gostei muito. Leve, como a vida precisava ser. Obrigada Ana.

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