REDENÇÃO DA GELEQUINHA >> Clara Braga

Lembrei de uma vez que me peguei pensando em coisas. Tá, tudo bem, todo mundo pensa em coisas a todo momento. Eu me peguei pensando nas coisas, literalmente. Pensando nas cadeiras, nas mesas, nas mochilas, nos carros, nos sapatos etc.

Lembro de pensar que deveria ser muito difícil ser um sapato. Imagina, pisar no asfalto quente todos os dias, caminhar na brita, escorregar na lama, ser afogado na água em dia de chuva, pisar em dejetos de animais etc… E ser uma cadeira? Nossa, não sei nem por onde começar…

Foi então que lembrei de um dia, quando ainda era criança, que ganhei aquela gelequinha de presente. Não sei se lembram, mas era uma gosma que grudava em alguns lugares, principalmente no nosso cabelo. Junto com a geleca tinha um manual de instruções, que era a própria gosma explicando que ela gostava de ser puxada, de ser jogada na parede para grudar e descer escorregando devagar, gostava de ser repartida para que várias pessoas pudessem brincar com ela. Mas não gostava de ser colocada na boca, não gostava de ser guardada no sol e também corria de água.

Depois de lembrar desse manual, pensei: é, as coisas de fato são felizes e se realizam sendo aquilo que elas foram feitas para ser. O sapato deve amar um dia de sol escaldante, no qual protege o pé de seu dono, só não gosta mais do que dias de chuva, que é quando pode tomar aquele banho e ainda manter o pé do dono livre da água e do chulé. A mochila ama quando fica bem cheia e a cadeira deve adorar ser a oportunidade que algumas pessoas têm de relaxar um pouco.

É, as coisas são assim, felizes porque não tentam ser o que os outros querem que elas sejam. Uma cadeira sabe do seu valor, e, mesmo apreciando a função da mochila, as duas sabem que é a cadeira que, em algumas situações, livra a mochila de ficar jogada no chão, então elas se respeitam sem julgarem quem é melhor, mas sim ajudando uma a outra.

Pena que a gente ainda não entendeu que com o ser humano também pode ser assim.

Comentários

Muito lindo Clarinha!
Tempos muito a refletir com esta crônica.
Beijos
Ceiça

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