IRMÃOS, GATOS E OUTROS BICHOS >> Albir José Inácio da Silva

Quando viemos para o Rio de Janeiro, ficaram na roça os bichos. Cavalo, papagaio, cachorro, gato, coelho e outras espécies que se revezavam na nossa vida. Pai e mãe só trouxeram os filhos, e as trouxas.

Eu não gostava do motivo pacientemente repetido de não haver espaço no trem. - Por que não levar os bichos e deixar as trouxas? – perguntava.

Na cidade compreendi o que era falta de espaço. Mal cabíamos os quatro mais as trouxas no lugarzinho que chamavam de casa. Eu, acostumado à largueza do mato, tentava entender porque é que as pessoas vivem assim.

Cezinha com cinco anos podia esperar, mas eu já tinha sete, e na roça não havia escolas. A cidade era inevitável. Apertada mas obrigatória.

Cães ficam se forem convidados e bem tratados. Mas não são assim os gatos. Não pedem licença, ocupam seus lugares, dispõem dos espaços e dos súditos, como suseranos. A gata chegou magrinha e se instalou. Recebeu leite e outras refeições a que tinha direito. Engordou, engordou, engordou e teve cinco gatinhos.

Se não havia lugar para um gato, como ficar com seis? Na reunião de família, sem muitas palavras, decidiu-se que os filhotes seriam doados. Numa conversa lá com a mãe, Dona Penha se candidatou e recebeu seu gatinho, que seguiu miando para sua nova casa na vila do lado.

Muito provavelmente com invasão de domicílio, Cezinha providenciou o resgate do bichano, alegando maus-tratos. Dona Penha ficou bicuda por semanas, e teria dito que “não queria mais o gato nem com um pedaço de ouro amarrado no rabo”. Em defesa dessa senhora é preciso dizer que, a menos que ela tivesse saído lá de casa já batendo no bichinho, não houve tempo hábil para maus-tratos. Mas essa questão nunca foi esclarecida.

Depois a gata-mãe morreu, os gatinhos cresceram, ficaram insuportáveis dentro do pouco espaço e foram distribuídos. Dessa vez para endereços que não permitiam a fiscalização do meu irmão.

Então nasceu Silvinha, depois também chamada de “jilozinho”, que apesar da falta de espaço foi conservada, talvez por pertencer à mesma espécie que nós. Acho que todas as espécies são egoístas.

Numa outra casa, herdamos um cachorro chamado Sultão, que não primava por hábitos muito civilizados. Ficava esparramado no chão atrapalhando nossos passos, mas, à simples menção da palavra “banho”, desaparecia por horas para outros quarteirões.

Pela vida a fora fomos arranjando um gato aqui, um cachorro ali, lá uma calopsita. Talvez na esperança de mitigar a saudade dos bichos deixados na roça, mas sem muito resultado.

Eu desisti. Agora moro num apartamento sem bichos de qualquer espécie. Mas o Cezinha continuou na defesa dos animais. Foi morar num sítio onde não faltam esses viventes.

E ele, é claro, não vende porque não lhe pagam o preço justo. Não troca porque não acredita na qualidade da contraprestação. Não empresta porque não acredita no mutuário. Não dá porque é dele, quem quiser que tenha o seu. E não deixa ninguém ficar olhando por muito tempo – embora seja capaz de jurar que não acredita em mau-olhado.

Acho que assim ele redime a família dos traumas pelo abandono de bichos no passado.

Comentários

Zoraya disse…
Que lindo, Albir, melancólico e lindo. Naõ sei mesmo como superamos esses traumas de infância.
albir disse…
Obrigado, Zoraya. Sempre generosa. Beijos.

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