NINA E OS TROVÕES >> Ana Raja


É como se o mundo desmoronasse às três e meia da manhã. Os trovões parecem gritar em meus ouvidos. A luz dos relâmpagos atravessa as cortinas. O vento na direção da janela; seu uivo é assombro na madrugada. 

Dizem que acordar neste horário tem um significado. Eu não acordei por conta própria, então, posso esquecer as definições espirituais. Mas Nina tem pavor de trovão. Ela fica andando de um lado para o outro, quer subir na cama, no mesmo instante, quer descer, não encontra um lugar e nem uma posição confortável. Me levanto e vou para a sala com ela em um dos braços, e no outro, o travesseiro e a coberta. Me acomodo no sofá com aquele ser indefeso. Não consigo dormir, nem ela.

Nina quer fugir, mas não sabe para onde. Fica em pé na frente da porta, me olhando, com a respiração ofegante, a língua estranhamente vermelha. Arrasta as unhas na porta. Eu a pego no colo e tento explicar que os trovões moram no céu e lá fora o perigo é real. Volto para o sofá. Passo as mãos em seu corpo, faço cafuné, beijo, abraço, sussurro palavras de conforto em seus ouvidos. Ela parece se acalmar, até outro trovão nos assustar com o seu grito fora de hora.

Assim atravessamos o resto da madrugada. Tenho a impressão que ela está com sede e com calor. Ofereço água. Ligo o ar-condicionado para refrescar o sangue quente de Nina. Começo a sentir frio. Ligo a TV. Vou mudando de canal, escutando as primeiras notícias do dia que insiste em raiar.

Seis horas da manhã, ela finalmente se aquieta ao meu lado. Acho que está com frio, mesmo sendo peluda. Cubro seu corpo com a minha coberta, ela lambe meu rosto. Não demora, dormimos ao som de uma chuva mansa.

 ------

As dores delas, primeiro livro de Ana Raja, está a venda no www.editoraurutau.com.

anaraja.com.br


Comentários

Soll Toledo disse…
Fico angustiada junto com a Nina em quanto leio. Tadinha dela! Que bom que os trovões passaram! Ótima crônica!
Zoraya Cesar disse…
Que beleza de descrição da angústia da bichinha! e qt amor envolvido! quero ver fotos dela!
Soraya Jordão disse…
Amei a crônica. Pude sentir o quanto Nina se sente amada.
Jander Minesso disse…
Quando era criança, alguém me disse isso também: 3:30 era a hora da bruxa e, se você acordasse nesse horário, é porque tinha uma bruxa te olhando. Eu morria de medo, acho que tanto quanto a Nina tem medo de trovão. A noite tem isso de trazer os nossos temores pra fora e seu texto ilustrou isso muito bem.

Postagens mais visitadas