DE CORAÇÃO PARA CONTINENTE >> Albir José Inácio da Silva
De um lado o Forte de Copacabana, do
outro Niterói e as montanhas e no meio a África. África, segundo os mapas,
porque eu o que vejo é uma reta ligando as duas pontas. Abaixo dela o azul
verde do mar, acima o azul claro do céu na manhã de inverno.
Tenho a sensação de que da África
alguém, como eu, olha pra cá. Por que não olharia? O sol é o mesmo, o mar é o
mesmo e as histórias se cruzam. Além disso, a linha tropical e pontilhada de
Capricórnio nos une.
Sentado na areia, com os olhos apertados
pelo sol, olhando para o Rio de Janeiro, cisma o irmão africano, e atrás dele o
enorme continente negro, berço da humanidade, tão aviltado pelos humanos
portadores da pólvora, que fizeram homens livres atravessar o oceano em
correntes para a morte no mar ou a morte em vida.
Será que o seu sangue pulsa fraterno
pelo Brasil que ele também não vê? Pode ser que se convença de que nós aqui
neste século XXI não somos mais que seus irmãos para o bem e para o mal.
Mas talvez tenha herdado, e dedique a
nós, todo o rancor pelos traficantes de escravos, senhores, capatazes e
capitães do mato que arrancaram de lá ou receberam aqui seus ancestrais.
Faço votos que não. Tomara que ele
compreenda que seu sangue também corre nas veias deste continente e que, como
eles, aqui ainda sofremos exílios, extermínios e tentativas de escravidão.
E que, de tempos em tempos, do muro
da vergonha lá no fim do México à Terra do Fogo, não nos faltam suseranos a
pedir décimos, quintos e primícias, e a nos dar tiros pela ousadia de
sobreviver e alimentar os filhos.
Levanto o braço na direção do
horizonte, sem me importar com os circunstantes, e declamo para uma praia da
Namíbia que não vejo:
— Se Portugal chorou o mar para conquistar, irmão africano, nós choramos um oceano porque fomos conquistados. Estenda sua
mão para as águas, como se fosse apertar a minha e como se pudéssemos, puxando,
reunir os continentes num abraço em que choremos nossa alegria e cantemos
nossas dores. Saudações atlânticas!
Obs: Este texto integra o Programa Crônica de um Ontem e foi publicado originalmente em 29 de junho de 2015.
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