SUSSURROS >> Ana Raja


a dor hospedada no meu dentro

eu não consigo pegar

é cicatriz de peito aberto

eu sussurro ao vento os meus ais

mãos soltas 

frouxa na força

as palavras que perpetuo

serão vítimas da deslembrança

do outro

mas não para mim

ando com cicatriz de peito aberto

me arrasto por aí

tentando alinhavar os pontos

andando pelos cômodos fantasmas

cercada de imagens infantis

de sons adolescentes

e de sonhos juvenis


maria como tantas. nome comum nos cartórios de registro. maria mãe de meninos. maria mãe dos homens. maria feito eu. carrego seu nome no meu, a cicatriz de peito aberto, não. maria sonhadora almeja belezas aos seus. alimenta ilusões e bocas famintas com a mesma devoção.


cento e vinte reais

arremate do salário do mês

o trabalho da noite

duração de algumas horas

o corpo forte

viril

a idade do destemor

a camiseta colada 

salienta músculos e poder 

nas costas em letras garrafais 

segurança

filho meu

protetor do bar

no tórax dele

cinco tiros


é ele, ele mesmo, o menino da maria. estirado na calçada numa noite de terça-feira. cumpria seu oficio. o estampido emudeceu a sua mãe. de madrugada, às vezes, muito às vezes, os sussurros dela invadem meu quarto. e eu protegida do mal.


Imagem de JamesDeMers por Pixabay

anaraja.com.br

Comentários

Anônimo disse…
Você tem o dom de surpreender. Sempre! Impecável! Dolorosa! Verdadeira! Sou fã. Soraya Jordão
Como sempre uma escrita impecável... um sentimento doloroso...
Jander Minesso disse…
Gostei das experimentações com o formato. Você tinha um drama forte e podia ter jogado na forma segura, mas foi além. E vou parar por aqui porque essa minha mania de dissecar texto como se fosse um sapo na aula de anatomia não ajuda nada, né?
Ana Raja disse…
Jander, eu ando numa fase de experimentações. Estou gostando muito. Além da inquietação da escrita tem a forma também.
Zoraya Cesar disse…
Continue experimentando, Ana, qureremos mais. Na escrita, na forma, no tema. Experimente, q seremos cobaias satisfeitas sempre!
Mário Baggio disse…
Um belo experimento, Ana.
Albir disse…
Que beleza, Ana!
Contundente!
Esse "no meu dentro" me lembrou a nossa Carla Dias.
Nadia Coldebella disse…
Também gostei muito do formato. Mas esse conteúdo, que doloroso hein? Mãe Maria, ferida de peito aberto, filho estirado... Dói aqui dentro tbm.

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