SUSSURROS >> Ana Raja
a dor hospedada no meu dentro
eu não consigo pegar
é cicatriz de peito aberto
eu sussurro ao vento os meus ais
mãos soltas
frouxa na força
as palavras que perpetuo
serão vítimas da deslembrança
do outro
mas não para mim
ando com cicatriz de peito aberto
me arrasto por aí
tentando alinhavar os pontos
andando pelos cômodos fantasmas
cercada de imagens infantis
de sons adolescentes
e de sonhos juvenis
maria como tantas. nome comum nos cartórios de registro. maria mãe de meninos. maria mãe dos homens. maria feito eu. carrego seu nome no meu, a cicatriz de peito aberto, não. maria sonhadora almeja belezas aos seus. alimenta ilusões e bocas famintas com a mesma devoção.
cento e vinte reais
arremate do salário do mês
o trabalho da noite
duração de algumas horas
o corpo forte
viril
a idade do destemor
a camiseta colada
salienta músculos e poder
nas costas em letras garrafais
segurança
filho meu
protetor do bar
no tórax dele
cinco tiros
é ele, ele mesmo, o menino da maria. estirado na calçada numa noite de terça-feira. cumpria seu oficio. o estampido emudeceu a sua mãe. de madrugada, às vezes, muito às vezes, os sussurros dela invadem meu quarto. e eu protegida do mal.
Imagem de JamesDeMers por Pixabay
Comentários
Contundente!
Esse "no meu dentro" me lembrou a nossa Carla Dias.