CASO ENCONTRE UM LOUCO, CORRA >> André Ferrer
Fecharam-se os manicômios e gerações de loucos foram jogados no mundo. A família e a sociedade, ainda que despreparados técnica e emocionalmente, passaram a arcar com as consequências.
Os manicômios, de fato, constituíam uma calamidade, mas a alternativa escolhida foi, no mínimo, irresponsável. Em vez de modernizar o modelo de confinamento (que, a cada dia, prova-se necessário), adotou-se a solução mais fácil: cada qual que cuide do seu próprio louco domesticamente. Quando muito, em visitas a um Centro Psicossocial.
O modelo de assistência oferecido pelo poder público é remoto. Foi pensado para situações controláveis e nunca para tratar verdadeiras bombas-relógio. Tudo indica, ainda, que não está aberto para mudanças e concessões.
IMAGEM: ChatGPT
Casos como o do incendiário da creche (Janaúba, 5 de outubro de 2017) deveriam provocar uma discussão nacional, mas um tiroteio em Las Vegas (2 de outubro de
2017) encanta muito mais a opinião pública do que uma carnificina no interior de Minas Gerais. Deveria, no mínimo, levantar questões do tipo: será “mesmo” que os nossos velhos
"depósitos de gente" eram, de todo, ruins? Será que uma reestruturação do modelo não diminuiria, pelo menos, a presença de potenciais incineradores de crianças aqui
fora?
Anos atrás, um desses loucos entrou numa livraria, em plena Avenida Paulista e escolheu alguém sem motivo algum. Sorrateiro, aproximou-se de um homem que, tranquila e distraidamente, escolhia um livro.
O desequilibrado trazia um taco de basebol escondido na mochila (onde encontraram um facão logo em seguida). O golpe foi no alto da cabeça. Depois de meses numa UTI, a vítima faleceu.
Quando eu soube do ocorrido na creche mineira, lembrei-me do caso da Livraria Cultura. Pessoas doentes, famílias despreparadas ou relapsas, o Estado e a sua incapacidade irreversível. Oremos fervorosamente por Las Vegas.
Esta crônica faz parte do projeto Crônica De Um Ontem e foi publicada originalmente em 9 de outubro de 2017.
P.S.: Sete anos após a tragédia, nada foi feito. A doença mental continua jogada aonde poucos conseguem lidar com ela: em casa e nas ruas. De lá para cá, atravessamos uma pandemia mortal, que até hoje é negligenciada por muita gente (a Ciência e a técnica negadas ao extremo), e a loucura segue fora de controle.
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