AS MUITAS MORTES DE FRANCISCA >> MÁRIO BAGGIO

 



Francisca morreu hoje.

 

Quando morre Francisca, não é só Francisca, ela própria, quem morre. Morre a filha de Antonio e Adelina. E a irmã de Joaquim. E a melhor amiga de Luísa, a companheira de passeios pelo parque quando era verão e o sol demorava a se pôr. Morrem também, quando Francisca morre, a colega de Heloísa, a de Joana, a de Zeca e a de Lucas. E morre a mulher por quem Júlio era apaixonado, a quem ele abraça em pensamento quando dorme e a quem nunca pôde dizer que amava.

 

Se Francisca morre, morre também a moça que todos os dias saía cedo para o trabalho e pegava o ônibus da linha 134, cujo motorista, Celso, sorria largo quando a via no ponto, à espera da condução. Morrem também, quando morre Francisca, a operária que trabalhava na linha de montagem da fábrica de panelas, a vizinha de cinco famílias do mesmo quarteirão, a madrinha da Daniela, a tia do Vicente, a sobrinha do tio Ângelo e a paciente do dentista que atende pelo convênio.

 

Acontece, quando morre Francisca, um verdadeiro genocídio do qual a humanidade nunca se esquecerá. Os cadáveres e, mais do que isso, a soma escandalosa de todas essas ausências, estão agora num caixão de madeira barata, de tamanho médio, sobre o qual Adelina, sua mãe, chora sem consolo. Ali dentro estão Francisca e todas as mortes de Francisca. E não há, no mundo inteiro, espaço suficiente para conter tanta dor.

 

Imagem: Pixabay

 

 


Comentários

Jander Minesso disse…
Porra, Baggio, me pegou demais. Se eu tentar explicar o que esse texto me causou, vai faltar palavra. Mas foi muito foda. Obrigado.
Nadia Coldebella disse…
Bah, que texto!
Engraçado como essa semana a temática morte está indo e voltando.
Essa semana uma mãe de um colega da minha filha foi tirada do mundo por um acidente. Ela tinha minha idade. Levei minha filha ao velório e tinha muita gente lá. Sentei quietinha, pra observar, e vi q cd pessoa conhecia aquela mulher de um jeito e falava dela do jeito q a conhecia. Para mim, uma mãe igual a mim, que já tinha vencido um câncer, que deixou dois filhos, da idade das minhas filhas, só com o pai (e agora estou pirada com a possibilidade de faltar para minhas filhas um dia ). Este teu texto sintetiza tudo muito bem, nunca somos um só. Fazemos muitas faltas.
Baita texto!
Ana Raja disse…
Baggio, que texto mais lindo. Foi me arrastando do começo ao fim.
Hidely Fratini disse…
Emocionou... Emocionei-me. Fui seguindo todas as mortes e... quase morri também!
Zoraya Cesar disse…
Me pegou muito forte. Essa semana morreu uma amiga. Vc relatou exatamente o q sentimos sem palavras
Albir disse…
Que beleza, Baggio!
Somos muitos e morremos para muitas pessoas com um mesmo gesto.
Soraya Jordão disse…
Francisca morreu. Nós morremos um pouco também. Ao (d)escrevê-la, você lhe oferece um pouco de eternidade. E a nós, leitores, um pouco mais de humanidade. LIndo!

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