POUCAS LINHAS >> Ana Raja


A aula era sobre o poder da concisão do microconto. 

Em tempos de urgência, nos quais apostamos corrida com o intervalo entre nascer e morrer, a regra é a rapidez. O mesmo se aplica ao vasto mundo da literatura. Hoje, um romance publicado tem em média cento e trinta páginas, talvez por que as pessoas não têm mais paciência para se dedicarem à leitura de uma obra mais longa. A cobrança é por mais informação, mais conhecimento – nem sempre válido ou útil - e assim nos perdemos em um emaranhado de novidades. As crônicas são servidas no formato degustação durante o café da manhã; os contos ganham, no máximo, vinte páginas, isso quando eles têm sorte. 

Não à toa, o microconto se tornou o Don Juan dos leitores. 

Mas vocês, minha cara leitora e meu caro leitor, acreditam que só por ser mais curto é mais fácil?

Para compor um microconto, é necessário conhecimento técnico sobre a sua construção, certa ousadia e capacidade de observação seletiva, para fazer o imenso caber em um espaço pequeno. 

O título, a escolha das palavras, a precisão ao ordená-las, o impacto e a sutileza são atributos necessários para um microconto existir. Há ótimos escritores especialistas em narrativas curtas. Ler um microconto, dos que ficam dançando em nossa cabeça por horas, até dias, é algo instigante. Há os que nos provocam o questionamento sobre como o autor escreveu tudo aquilo em poucas linhas.

Exemplos e conversas animaram a aula, até o momento de colocar em prática a teoria. 

O exercício era escrever três microcontos em quinze minutos. A experiência colocou a todos em um processo de extrema atenção. O relógio — desobedecendo o nosso prazo de entrega — continuou a fazer o seu trabalho, enquanto a produção seguia quase sem filtro e uma verdadeira necessidade de criar algo mais próximo a um microconto. 

Os meus microcontos foram entregues sem correção, sem corte, mas com espaço para melhoras.


FIM

Na porta do elevador, malas enfileiradas, resistindo à partida.


IRMÃS

Elas ali, as três. Eu aqui. A outra, morta entre nós.


CHEIA

A lua mudou de fase. O percurso até a luz rasgou o silêncio em choro.


Um de improviso:


Obrigado pela leitura.

Amplamente envaidecido,

                      Microconto.


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Imagem © 愚木混株 Cdd20, por Pixabay

Comentários

Jander Minesso disse…
Eu adoro a dificuldade de ser simples. Você explicou muito bem a coisa e exemplificou melhor ainda.
Zoraya Cesar disse…
hhahah, muuuuuito bom, Ana. Se nao fosse a métrica, acho q seus microcontos poderiam ser hai kais. Ernest Hemingway (e mestre Ferrer vai me dar razão) tem um sensacional, e os seus me lembraram dele. Eita coisa difícil um microconto!!!
Amei os seus.


“Vende-se: sapatinhos de bebê nunca usados.”

Ernest Hemingway
Luciana G. disse…
Existe tanta história dentro de um microconto né? Vou tentar fazer um, aqui, agora!
“Ela sabia que reencontros poderiam ser perfeitos. Então, divorciou-se.” ����
Nadia Coldebella disse…
E veja, as vezes mudando uma palavra, tem-se gêneros completamente diferente. O seu, das irmãs, numa literatura fantástica, tendendo ao sobrenatural, poderia ficar assim:

Elas ali, as três. Uma aqui. Eu, morta entre elas.

Vou explorar essa ideia.

Gde abraço
Albir disse…
Que beleza, Ana!
Que venham mais aulas e mais continhos!

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