OS MENINOS-PLACA >> MÁRIO BAGGIO
Vitória tem 12 anos e trabalha como
menina-placa nos fins de semana. Sua obrigação é ficar em pé numa esquina da
cidade, durante 6 horas, segurando uma placa em que se lê “3 dormitórios, 1
suíte, lazer completo”. Vitória não sabe o que é suíte, mas imagina que seja
uma coisa boa, de gente rica. Dormitório ela sabe, porque em sua casa não tem.
Num só cômodo dormem ela, os pais e os dois irmãos menores; num canto fica o
que ela chama de cozinha, porque lá tem um fogão e uma pia. O banheiro fica em
frente, e é lá que Vitória mais gosta de estar, porque tem porta para trancar e
ela pode passar uns minutos sozinha, lendo revistas.
Durante seu trabalho, Vitória não pode se
sentar, caso contrário terá desconto em sua diária de cinquenta reais. O fiscal
faz a ronda duas vezes ao dia para verificar se todas as meninas estão em pé.
Quem for encontrada sentada perde cinco reais no pagamento final. O que importa
é que os pedestres e os que passam de carro pela rua vejam a placa e se
interessem em conhecer o empreendimento. Para que a placa seja vista, é preciso
que as meninas-placa fiquem em pé. Mesmo que as pernas doam muito, Vitória fica
firme em seu posto.
Nos dias em que trabalha como menina-placa,
Vitória traz lanche de casa e come com as colegas das outras esquinas. Nos
trinta minutos permitidos para o almoço, todas se sentam na sarjeta ou sob
alguma marquise, quando o sol está muito forte, e desembrulham seu sanduíche,
as placas encostadas numa parede. Conversam sobre namorados ou sobre o baile
funk de sábado à noite. Por alguns minutos elas se esquecem de que são
meninas-placa e se tornam apenas meninas, falando sobre coisas de meninas. Riem
alto, ajeitam o cabelo, retocam a maquiagem. Terminado o almoço, cada uma já
está de volta ao seu posto de menina-placa, para o segundo turno daquele dia.
Quando o trabalho termina, Vitória entrega
a placa ao fiscal, recebe seu pagamento e anda até o ponto de ônibus. Aproveita
para dormir durante as duas horas de viagem para casa. Amanhã é domingo, e
haverá nova jornada de placa na mesma esquina. Mas hoje é sábado, à noite tem
baile e ela vai se encontrar com Alan, o namorado de 15 anos, de peito
avantajado pela musculação, olhos verdes e aparelho nos dentes.
Alan também trabalha como menino-placa nos
fins de semana, só que em outro bairro, bem distante de onde Vitória fica. Na
placa de Alan lê-se “3 dormitórios, varanda gourmet, financiamento direto com a
construtora”. Alan não sabe o que é varanda gourmet, mas imagina que seja uma
coisa boa, de gente rica. Financiamento ele já aprendeu, porque comprou um par
de tênis Nike em dez parcelas. “Rapidinho você termina de pagar”, tinha dito a
moça da loja. Ele e Jefferson compraram tênis iguais, no dia em que foram
juntos ao shopping.
Jefferson é o melhor amigo de Alan, tem 14
anos e também trabalha como menino-placa. Na placa que ele segura está escrito
“Casas em condomínio fechado, segurança total”. Ele namora há dois meses com a
Jéssica, que segura placa numa esquina não muito longe dali. Na placa de
Jéssica está escrito “3 dormitórios + dep. de empregada”. Jéssica sabe o que é
dep. de empregada porque sua mãe contou.
Imagem: Revista DCM, foto de César Hernandes
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E nenhum de nós se mobiliza para nada. Talvez para comprar o anunciado.