ANDORINHAS, TUBARÕES E OUTROS MISTÉRIOS COMPULSIVOS >> André Ferrer

 

"Andorinhas: caminhos do movimento" - Giacomo Balla
Domingo e ontem, escrevi um trecho do meu romance e era justo aquele que tem um lago. Moro perto de um lago, mas o lago do meu livro é outro. Fica em Londrina e atende pelo nome de Igapó. 

Hemingway tinha um raciocínio interessante sobre quando se escreve, num lugar, sobre outro lugar onde o escritor tenha estado parte da sua vida. É preciso, diz ele, um distanciamento tanto geográfico como temporal. No meu caso, o quesito distância geográfica, pelo menos, foi atendido. 

O lago daqui é pequeno. Há um hotel vizinho a ele, o que também acontece lá com o lago de Londrina. O lago do Silvério, como é conhecido, tem caminhantes matinais e vespertinos também. Eles caminham ao redor de águas paradas e mantém a esperança de que suas vidas se movam. Bastante curioso, tanto lá como cá.

Dizem que o Silvério tinha uma choupana às margens do córrego — um afluente do Rio Jaú — que, anos depois, viraria o seu lago. Silvério, segundo dizem ainda, era pedreiro e mudara-se, em questão de horas, para que o lago nascesse. Os terrenos, em tempos ainda mais remotos, pertenciam à fazenda cuja sede, hoje em dia, é o mencionado hotel próximo ao lago. Devia, mesmo, dar gosto observar as suas águas ligeiras e limpinhas na época em que era um riacho. Naqueles tempos, sim, uma caminhada ali devia colocar os adipócitos em apuros.

Já é terça-feira e a minha crônica sai depois das quinhentas palavras a que me submeto produzir, todos os dias, desde o dia quinze de outubro. Minha disciplina tem sido sem precedentes. Minha vontade de simplesmente “apagar”, de tardezinha, para só acordar, no outro dia — quando já será a hora de voltar a produzir —, é imensa. Os remédios têm ajudado e, é claro, três voltas no Lago do Silvério também.

À tarde, enquanto caminho, escolho ir de encontro à corrente de caminhantes. Um mistério, para mim — ao lado dos desenhos que, em revoada, fazem as andorinhas —, é essa escolha unânime, pelo cidadão, relacionada à direção da caminhada. O primeiro a chegar, com certeza, deve fazer arbitrariamente... Não. Isso não deve ser tão simples, mas um mistério ainda maior do que alguém, em sã consciência, achar que as águas de um lago, paradas por definição, possam inspirar grandes movimentações. Contudo, ainda assim, um misteriozinho.

Hemingway achava misterioso o fato de que alguns peixes mergulhassem, logo após serem fisgados, até que a pressão estourasse os seus órgãos internos — suicídio? A partir de então, o pescador precisava puxar um peso sobre-humano, até o barco, antes de que um cardume de tubarões aparecesse... É por aí. Seja no mar, no ar ou na terra, os mistérios vivem superando uns aos outros.

Ontem, no final das minhas três voltas no Lago do Silvério, tive que ceder às exigências do meu transtorno obsessivo compulsivo. Parei, mudei de direção e parti para a quarta volta. Tudo porque, distraído, caminhava ao sabor da corrente. Quando me dei conta, senti-me um traidor de objetivos ainda mais misteriosos que, desde sempre, movimentam-me.

Comentários

Carla Dias disse…
André, o movimento, sempre ele, né? Em todos os sentidos... Se a gente não o exerce, ainda bem, a vida dá um jeito de colocá-lo no nosso caminho. Que bom que você aceita o seu, e aprecia rio. Além disso, entrei no modo "espera da publicação do romance".

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