TAMBÉM QUERO FALAR SOBRE A FILHA PERDIDA >> Clara Braga

Uma filha.

Uma mulher.

Uma mãe.

Quando uma mulher torna-se mãe, consciente ou inconscientemente, assumimos que a vida apenas seguiu seu curso. Mas, quando uma mãe assume abertamente e, ainda mais que isso, reivindica seu espaço no mundo enquanto mulher que tem carreira, sonhos e desejos, e nem sempre esses desejos envolvem os filhos, isso gera em nós certo estranhamento e uma vontade quase incontrolável de perguntar: mas e seus filhos?

Perdi as contas de quantos textos sobre maternidade eu já escrevi, e todos falando sobre a necessidade de pararmos de romantizar a maternidade. Aí vem o filme A Filha Perdida, zero romântico, e tira o meu chão. Você já deve estar cansado de ouvir falar desse filme, mas preciso compartilhar minhas impressões. Ah, vale avisar que o resto do texto contém spoiler.

O filme é sobre maternidade? Essa foi a minha primeira dificuldade, assumir que o filme é sim sobre maternidade. Como pode um filme sobre abandono e egoísmo ser também sobre maternidade se essas coisas não combinam? Pensando friamente, é justamente isso, o abandono é a primeira coisa imposta à mãe, que precisa abandonar parte do que é para dedicar-se a um ser que precisa dela para sobreviver. Sem uma bela rede de apoio que tenha a sensibilidade de olhar por ela e respeitar sua individualidade, fica quase impossível não se sentir abandonada. 

No caso do filme, a protagonista já havia sido abandonada em sua infância e seguia sendo abandonada pelo companheiro, na minha leitura, ela escolheu não se abandonar também, mesmo que para isso ela precisasse abandonar as filhas. Egoísmo? Sim, mas que outra opção lhe foi apresentada?

Também assisti ao filme todo achando que a protagonista passava agora a vida lidando com a culpa, mesmo que ela, ao longo do filme, tenha afirmado não se sentir culpada. Depois entendi que na verdade a culpa era minha, eu que precisava que ela se sentisse culpada pois provavelmente seria assim que eu me sentiria. Afinal, que tipo de mãe seria eu se, assim como ela, não a sentisse? 

Aliás, muitas coisas em relação a esse filme eu só fui entender depois, precisei de tempo até para decidir se tinha ou não gostado do filme. É complicado definir um filme focado em uma protagonista que faz tantas coisas com as quais você não concorda, mas ainda assim, de alguma forma, você gosta dela.

Passado o tempo e depois de também ler vários textos com diferentes pontos de vista, inclusive de pessoas que leram o livro antes de assistirem ao filme, já consigo ter mais clareza da minha experiência. A Filha Perdida é definitivamente um filme corajoso, que nos causa um belo incômodo pois ousa falar abertamente sobre o que eu considero um dos maiores segredos da maternidade: a grande maioria de nós, mães, já quis fugir! Não que isso seja algo desconhecido pela humanidade, mas não nos é tão permitido assim falar isso em voz alta. 

A diferença entre nós, que em algum momento pensou em sair correndo sem olhar para trás, e ela, que de fato foi, é que nós tivemos alguém ou "alguéns" ao nosso redor que nos permitiu ter algum espaço para sermos mais do que só mães. Ela não teve, ela fugiu e nós, que nos dizemos mães modernas, empáticas, da era da sororidade, a julgamos como uma péssima pessoa que apenas foi egoísta. Na minha opinião, é exatamente aí que o calo aperta, pois é difícil assumir que somos mais parecidas com essa mulher horrível do que gostaríamos de ser.

A Filha Perdida não é um filme para qualquer um e, com certeza, não vai passar a mesma mensagem para todos que assistem, afinal, a maternidade não é mesmo igual para todo mundo. Mas uma coisa é certa, o filme vem para esfregar na nossa cara, sem pedir licença, verdades que talvez ainda não estejamos preparados para ver.
 

Comentários

Paulo Barguil disse…
Clara, não li a crônica inteira porque não terminei de assistir ao filme. Apôs fazê-lo, voltarei. :-)

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