RECOLHIMENTO >> Carla Dias

© Engin Akyurt por Pixabay

Observe aqueles a desfiarem seus medos em brutalidades. Não permaneça no assombro causado pela belicosidade do que chamam benefício, daquilo que insistem em categorizar essencial, mas é destaque apenas para fustigar qualquer emoção legítima que possa se rebelar.

O choro é proibido. Comover-se, inapropriado.

Devanear é coisa de sujeito que não tem mais o que fazer.

Você escolheu o desalinhar de competências prescritas. A cada dia, lida com o embaraço e a desfaçatez, nega-se a renunciar à transgressão emocional. Porque sabe sentimento não tem valor somente no filme que você assistiu, no poema que leu, na canção que escutou.

Há dias em que ele salva o dia.  

Preste atenção ao que é recato para mero resguardo de títulos e compreenda: não há leveza nos que ferem. Nem o vazio que os habita, tampouco a indiferença que engorda suas listas de tragédias provocadas pela inércia garantem isenção de desfecho. Haverá o dia em que a cobrança será feita e não será por deus ou o diabo, mas por seus comparsas, aqueles que lambem suas botas, escrevem seus roteiros de caber bonito na feiura dos seus atos.

O que seus olhos estão colhendo do ao redor de discrepâncias e fascínios administrados como se fossem comprimidos engolidos em dia de chuva mirrada? Brotos de saudade? Aparas de propósitos? Coleções de esperas?

Sugiro que se desvie do sorvedouro de expectativas semeadas na necessidade de definir a emoção como antagonista da sabedoria. Reconheça o sentimento como um ingrediente que não descarta a lógica, acopla-se a ela. Um caminho para o reconhecimento do que precisa ser mergulho ou padecerá no raso dos enganos. Não que eu seja oráculo, entidade de conveniência, repositório de fé. Sugiro apenas porque sirvo à mesma jornada. Busco resgatar a mim do meu próprio dentro, meu universo de desencontros e lamentos sussurrados, berço de alegrias domesticadas que aguardam o momento de servirem ao propósito de fazer o corpo tremer de contentamento.

Mesmo que, minutos depois, o sentimento o leve a se contorcer por desapontamento ou saudade.


Foto © Engin Akyurt por Pixabay


carladias.com

Comentários

Albir disse…
Sentimento não vale só no filme, no poema ou na canção, "há dias em que ele salva o seu dia."
Perfeito, Carla!
branco disse…
pegando a caneta para subscrever mestre albir .
Zoraya Cesar disse…
'Busco resgatar a mim do meu próprio dentro, meu universo de desencontros e lamentos sussurrados'

Se pudéssemos escrever todas as frases lapidares dos textos principescos da Carla, daria um novo e enorme e sapientíssimo livro. A ser lido e degustado a conta-gotas.
Paulo Barguil disse…
Ah, quem consegue resistir à força das tremidas de contentamento? :-)

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