BENDITA >> Albir José Inácio da Silva
As três primeiras receberam nomes
de artistas e celebridades: Dalva, Marlene e Ângela. Só Maria Bendita ganhou
nome de santa ou, como diziam suas irmãs, nome de velha. Isso se deveu à expectativa
da mãe de que Bendita fosse diferente das “malditas”.
E deu certo, Bendita era mesmo
diferente. Temporã e carinhosa, foi desde o início a alegria e a redenção dos genitores.
Quando nasceu, as outras eram já adolescentes e infernizaram quanto puderam a
vida da criança.
Bendita suportava tudo em
silêncio para evitar maiores sofrimentos aos pais, que já choravam todos os
dias com o comportamento das outras filhas. Escândalos envolvendo maridos alheios,
drogas e brigas em raves que acabavam na delegacia e nas manchetes com fotos no
Diário da Cidade.
O pai, homem sério e respeitado, que
já tinha sido vereador em três mandatos, não suportou o vexame e enfartou numa
manhã de domingo com o jornal nas mãos trêmulas. Na primeira página uma foto das
três na delegacia. Foram presas numa festa regada a drogas, sexo e menores de
idade. Bendita nunca as perdoou pela morte do pai.
A mãe nunca se recuperou da
viuvez. Bendita corria da faculdade para o trabalho nos dias úteis e visitava a
fazenda nos finais de semana. E ainda cuidava da mãe, que estava a cada dia
mais frágil e só confiava nela para cuidar das finanças.
As irmãs esperavam que, com a
morte do pai e a doença da mãe, pudessem finalmente desfrutar da fortuna. Até
ali tinham de se contentar com a mesada ridícula que não atendia aos seus
exageros. Mas Bendita foi ainda mais rígida no controle dos gastos. Elas, que
já a odiavam, agora queriam matá-la.
No velório da mãe, Bendita era a
única equilibrada, apesar dos suspiros. As irmãs teatralizavam lamentos em voz
alta, gritos e desmaios, mas não convenciam os presentes, que percebiam a
vontade de acabar logo com aquela cerimônia enfadonha.
O que realmente indignou Bendita
naquela noite foi a desfaçatez com que as três cochichavam sobre herança,
partilha e destino do patrimônio tão penosamente construído pelos pais. Ninguém
queria saber das farmácias, do sítio e daquele casarão velho. Tinham planos de
liquidar os bens e viajar para o Rio, São Paulo e até exterior. E por que não?
- perguntavam-se - era muito dinheiro!
Dinheiro que lhes foi sempre negado
porque tinham fama de gastadeiras, irresponsáveis, preguiçosas e imprestáveis.
Só Bendita merecia confiança, só ela tinha acesso aos recursos. Mas agora tudo isso acabou. O patrimônio seria
dividido em quatro partes, não tinha choro nem vela. Quer dizer, naquele
momento tinha choro e vela, mas era choro sem lágrimas.
Sabiam que Bendita seria um
empecilho com sua mania de honestidade, sua devoção aos falecidos e aos
negócios da família. Desde nova acompanhava o pai nos negócios, visitava
laboratórios e conversava com os empregados da fazenda. Com a morte do pai,
tornou-se administradora e relações públicas. Mas elas eram três e ela, apenas
uma.
(Continua em 15 de dezembro
de 2025)


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