HELENINHA >> MÁRIO BAGGIO
Claro que aquela sirigaita da Heleninha não era perfeita. Não era o anjo que as freiras diziam que era. Grande coisa que era mais bonita que nós, as outras, as coitadas, como a madre superiora gostava de falar. A Heleninha não, não era uma coitada, tinha uma beleza marmórea semelhante à dos querubins e por isso era sempre colocada na frente — na fila do pátio, na sala de aula, no refeitório, na hora de cantar o hino. As freiras até paravam de respirar quando ela passava perto. É feita de porcelana, diziam.
Os cachos do querubim eram de um amarelo irreal, perfeito, e estava sempre arrumados, brilhantes. O uniforme era impecável, sem nenhum amassadinho. Seus sapatos, então, pareciam um espelho de tão reluzentes. Se nós, as coitadas, nos colocássemos muito perto dela na fila, podíamos ver o nosso rosto refletido no couro imaculado de seus calçados. Isso nos dava arrepios, parecia coisa de bruxa.
Na aula, quando a professora não estava olhando, a angelical criatura metia suas unhas rosadas e redondas no braço de quem estivesse perto e, segundo ela, atrapalhando sua concentração — como alguém pode ter unhas assim, tão perfeitas? Se a vítima soltasse um gritinho e a professora se virasse, o querubim sorria com doçura, fingindo copiar a lição da lousa. A verdade é que tínhamos medo dela e do seu jeito dissimulado. Uma atriz, sem dúvida. Poderia ser uma artista de muito sucesso no futuro, se chegasse a ter um futuro. Não teve.
A boneca de pele de alabastro morreu anteontem e nenhuma de nós fingiu pesar porque tínhamos certeza de que ela não era um anjo. Se fosse, teria que voar quando a colocamos descalça e sozinha no parapeito do sexto andar e demos um empurrãozinho de leve. Não voou. Azar dela.
Imagem: Pixabay
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