PARA MELHOR >> Ana Raja


Passo quase todos os dias pelas famosas tesourinhas, aqui em Brasília, e em uma delas, no final da Asa Norte, há um cartaz de tamanho generoso, no qual está escrito “amanhã a gente muda tudo”.

Em algum momento, atingiremos a vontade de mudar nada?

Passei algum tempo pensando na frase do cartaz, e seguindo a sugestão dela: procrastinei. Pensando do meu jeito intranquilo, comecei a analisar esta frase e o peso dela nas nossas vidas.

Na juventude, há necessidade de mudança o tempo todo. Nossas ideologias nos impulsionam em busca de novos ares, de um mundo mais justo, nem que ele esteja restrito à nossa casa. Exigimos que nos escutem e sermos respeitados pelas palavras cruas escapadas das nossas bocas. Caminhamos pelas ruas com o brilho nos olhos de quem acredita, distribuímos sorrisos esperançosos, e, se naquele momento não alcançamos a realização dos nossos desejos, contamos com o amanhã e nunca procrastinamos. 

Quando alcançamos a idade mais madura, essa frase perde o sentido. Nada é para amanhã. É tudo para hoje. O emprego, a entrega de um projeto, a conclusão de um curso, o encontro amoroso em um show imperdível, a viagem de férias, as rupturas de laços de amizade que não combinam mais com o momento. A necessidade de cumprir à risca os desafios do dia a dia nos atropela sem oferecer curativo.

Em um momento diferente, o cansaço ou outro motivo qualquer – possível frequentador de uma lista bem longa – vai nos tornando menos carrascos de nós mesmos. Mas ainda esperneamos, acessando uma raspa de teimosia guardada a sete chaves no nosso dentro.  

Sou alguém atravessando o seguinte momento: quero mudar poucas coisas, talvez alguns enfeites de lugar, e outras cositas más. Quero ser ouvida através da minha escrita, e se eu conseguir causar algum tremor positivo - por menor que seja sua classificação na escala Richiter -, já estarei feliz. Não exijo mais o para hoje; espero pelo o amanhã, até pelo depois de amanhã, daqui a um mês. Quero batons com variedade de cores. Quero sol, cobertor, amigos, amor para disparar o coração e caminhar juntos, histórias, lembranças de quem fui. Quero mãe. É pouco? Não. Por trás de cada desejo, carrego a possibilidade de ter a chance de mudar o mundo. 

Para melhor. 


Imagem © freeillustrated, por Pixabay

Comentários

Jander Minesso disse…
Bela reflexão, minha amiga. Eu vivo num misto de ansiedade de querer tudo pra anteontem e filosofia budista de só ter o presente. Mas suas palavras me fizeram pensar que um pouquinho de amanhã pode fazer bem.
Soraya Jordão disse…
Eu senti um grande tremor com sua crônica. Estive em Brasília há 2 semanas e vi essa mensagem. E, feito vc, ainda penso nela. Adorei! Soraya
GIZELE disse…
Anita!

Sim.. mexeu na minha escala richter.. talvez aquela reposta q eu estava esperando tanto
Eu não quero mudar nada… POR ENQUANTO rsss
Te amo amiga! 🌹♥️
Zoraya Cesar disse…
Excelente reflexão belamente escrita. Estou num momento desses, mas, diferente do seu, nao quero deixar nada para amanhã. E nem quero viver angustiada por isso. Difícil equilíbrio! E o q vc quer não é pouco nem muito. é o essencial para a vida toda!
Albir disse…
Muito bom, Ana!
Me convenceu da importância de querer algumas coisas.
Nadia Coldebella disse…
Ah, Ana querida! Vc alcançou uma espécie de nirvana! Quem me dera um dia chegar lá tbm. Talvez a existência fique mais leve.

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