PROFISSIONAL >> Carla Dias


Dedicou-se a aprender o ofício. Mesmo envolvendo presteza, delicadezas quase sempre adormecidas – no trato e na vestimenta; ainda que os envolvidos se dedicassem a tornar o acontecimento um marco de alegria, ele enxergava a verdade.

Verdade era coisa rusguenta, de causar impacto negativo em evento alicerçado por horas de terapia e insistência na aplicação das regras do positivismo. Mas ele enxergava, e isso o atormentava, por isso a dose tripla de uísque antes de cada trabalho, e duas extras, durante o evento.

As crianças se divertiam, porque não faziam ideia dos aprontamentos dos adultos. Tinha quem emprestasse beca usada em formatura de primo, comprava vestido para devolver no dia seguinte, alegando não ter o caimento necessário. Quem andasse entre os outros convidados compartilhando história pomposa, enquanto usava sutiã emendado usando agulha e linha de capacidade suspeita de aguentar remendo por tempo suficiente.

Mas havia os de comportamento genuíno, pessoas esquecidas do que faziam no lugar, carregadas ao evento no cargo de acompanhantes, convencidas pela promessa de um jantar mais tarde, quando discutiriam assuntos de interesse mútuo. Elas se isolavam próximo à mesa dos quitutes mais requintados, crentes do merecimento do gosto macio, que nem mesmo seus anfitriões ainda experimentaram. Observavam o acontecimento, lado a lado, alheias à presença do outro. Alguns drinques depois, uniam-se em conversas avessas ao contentamento coletivo.

Ele sabia da verdade, tinha provas. Aquela felicidade encenada não combatia os infortúnios servidos à mesa da realidade. Além disso, ela continuava a frequentar os empréstimos bancários e o rotativo dos cartões de crédito, arrastando-se feito ausência impossível de ser resolvida, mesmo com o amparo das negociações. Aquela felicidade embuchada de tempestades a serem expelidas até causarem distância, amiudarem interesse, promover distanciamento.

Relutou em assumir o negócio do pai. Achava um absurdo o trabalho dele ser navegar entre o começo e o fim. Então, o velho ficou doente e ele teve de manter a casa. Assim, descobriu a verdade, fascinou-se – morbidamente – por ela. 

Já assistiu de tudo, até o começo e o fim se encontrarem no mesmo salão de festas. Coleciona, em uma grande estante de amparar lembranças, fotografias dos casamentos e cenas de crime que registrou. Às vezes, revisita as imagens. Lamenta quando encontra pessoas que frequentaram ambos os eventos.      

carladias.com.br

Comentários

Jander Minesso disse…
A arte de usar poucas linhas e rechear as entrelinhas, né Carlandreia?
Carla Dias disse…
Sempre, Minesso. <3
Zoraya Cesar disse…
"Aquela felicidade encenada não combatia os infortúnios servidos à mesa da realidade.". Esse agora vai ser um de meus preferidos. Tijolaço embrulhado de presente e papel pardo. Escândalo!
Albir disse…
Ângulo, luz e sombra perfeitos, verdade nem sempre.
Nadia Coldebella disse…
O descortinar da hipocrisia. Uma hora acontece.

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