RESPIRE FUNDO >> whisner fraga

 


brincávamos de futebol no quintal cimentado,

a laranjeira carregada de doenças, os frutos deformados por fungos,

o tronco era uma trave,

a outra: um pilar a uns cinco metros dali, 

o telhado completava o gol,

havia uma edícula, no fundo do terreno, abrigando um fogão de duas bocas,

naquele dia uma panela de pressão assobiava em cima dele,

(você deve estar imaginando a bola aprontando um desastre qualquer, não?,

nada, não foi isso,)

meu amigo se cansou ou tinha horário para ir embora, desses detalhes não me recordo,

mas ele se foi,

e eu, comecei a me entediar,

devia ter uns seis anos, no máximo,

era fera em trancar portas, mas ainda não manjava da arte de as destrancar,

esperei minha mãe se enfiar em um quarto e dei o bote,

percebendo estarmos sozinhos, notando que estava presa, o normal era se desesperar,

felizmente isso não aconteceu,

minha mãe simplesmente conversou comigo, deve ter explicado que compreendia minha inaptidão para destrancamentos, deve ter desencavado outros elogios, 

nos acalmamos,

e, com isso, veio a solução: explicou-me, pacientemente, como retirar a chave, como passá-la debaixo da porta, para que pudesse sair,

e saiu,

a tempo de evitar um incêndio lá embaixo, silenciando, pouco a pouco, a panela.


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imagem: ideogram.ai

Comentários

Jander Minesso disse…
Graça sob (panela de) pressão é uma arte para poucos.
Zoraya Cesar disse…
que lembrança mais bem contada,Whisner! q resgate ótimo! E sua mãe, hein? Super!
Albir disse…
Criança, susto, final feliz: poesia.
Nadia Coldebella disse…
As pressões e os trancamentos da vida já metaforizados na infância. Achei o texto bastante poético, aliás.

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