ZONA DE CONFORTO, UM ABELHUDO E ABOBRINHAS >> Sergio Geia

 


Ubatuba. Padaria Integrale. Quinta-feira. 
 
Combinei com João às 17h. Na mesa de sempre. Ando pensando. Se gosto de uma mesa, sempre vou nela. E é assim com lugares também. Hotel, restaurante, pizzaria, praias, cidades. Talvez seja um enorme defeito que me impede de variar. Zona de conforto? 
 
São 17h15. Peço um suco de morango e uma cestinha de pães de queijo. Eles são ótimos. De gorgonzola, o meu preferido. De parmesão e de ervas. Dizem que o de azeitonas também é muito bom. 
 
Na mesa da frente vejo uma mulher comendo uma salada. Aliás, maravilhosa a salada dela. Sinto inveja. Alguém como eu, que quer emagrecer, deveria pedir salada e não pães de queijo. Ao lado da salada tem uma latinha de Coca-Cola e um copo com o líquido preto. Hum, ela vai de salada com Coca-Cola, eu sinto uma alegriazinha difícil de descrever. Sem contar — ouço uma voz, deve ser do diabinho — que estou de férias, tempo que me permite certos arroubos — a sensação agora é de um vulcão, um vulcão da alegria, acho que vai explodir. 
 
João é natureba. Abomina glúten, leite, repelente, protetor solar, é puro veneno, ele diz. Meus hábitos iriam enlouquecê-lo. Tanto é que torço para que o suco de morango chegue antes dele. O açúcar é demerara, mesmo que fosse o basicão eu não tomaria; vou de adoçante. O suco chega, o João, não. 
 
A moça da salada recebe uma amiga. Juntas, as duas avançam sobre as folhas verdes. Um casal, o homem com um cachorrinho na mão, pergunta se pode cachorro ali. Pode. Aliás, há um gato que sempre vejo, deve ser da casa. A mulher retira da bolsa uma maçã e uma faca. Coloca sobre o guardanapo e aos poucos vai fatiando a maçã e degustando, degustando. Nem quero saber o que irão pedir. 
 
João chega. Você come esse pão de queijo, né?, eu pergunto. Sim, sem glúten, é claro, e dá uma risadinha. Pede um suco de amora. Eu lhe dou meu Vocabulário de presente. João faz as correções dos meus textos, e, na primeira versão, também fez as correções dos contos do Vocabulário
 
A tarde é agradável, tem perfume de mar, sal e pão de queijo. O papo também. Antes de pagar peço uns incensos. Os dali, Fênix Benjoim, são maravilhosos. 
 
 
Ilustração: Pixabay

Comentários

Jander Minesso disse…
A cena da saladinha com Coca-Cola foi demais. Sempre bom ler a mágica que você enxerga no corriqueiro, Sergio!
Mário Baggio disse…
Como quem não quer nada (as tais "abobrinhas"), essa crônica traz a delícia do texto descompromissado, ligeiro, comezinho. Só depois o leitor percebe a profundidade ali contida. O "vulcão da alegria" é prova disso. Avante, Sergio.
Ana Raja disse…
Eu gosto do sei jeito de enxergar os momentos. Muito bom, Sérgio!
Nadia Coldebella disse…
Delicia de crônica. Estimulou meu humor, meu paladar e me deixou uma vontade de viver a vida com leveza. Vc sempre capta muito bem as ambivalencias da vida cotidiana, como essa da salada x Coca-Cola. Lembrei de uma vez q eu estava numa lanchonete com uns amigos e um cara pediu um x bacon com bastante maionese e com dois ovos e uma coca zero, porque ele estava de dieta... Acho q nós, humanos, somos um emaranhado de pequenas contrariedades ambulantes, né? E esses pequenos momentos vc capta direitinho nas suas crônicas. Por isso vc é o nosso cronista das pequenas coisas. Gde abç!
Anônimo disse…
Fiquei aqui com a cena da moça tirando a maçã da bolsa… Eu também tenho meu lugar favorito na Integrale !!
Pollyana Gama disse…
Fiquei aqui com a cena da maçã…
Edna Kamezawa disse…
Enxergar coisas e momentos interessantes só mesmo com um olhar contemplativo como o seu! Eu também gosto de ficar num canto, só observando, mas não saberia descrever nada ao meu redor com esse bom humor. Quanta leveza ! Amei.
Soraya Jordão disse…
Prove o de azeitona, e nos diga se valeu a pena.
Zoraya Cesar disse…
Parece que eu estava sentada lá com vc, conversando, tecendo comentários sobre suas observações. Que texto delicioso, como sempre. Agora, fiquei bem curiosa para saber o que as moças pediram depois!
Ana Savolet disse…
Essa sutileza em ver as coisas como você vê acho sensacional. Eu tenho preguiça de gente que come só salada. Rsrs. Gosto de salada, não não só ela. Fiquei imaginando a cena de maçã. Rs. Eu ficaria indignada, embora ame maçã...
Albir disse…
Isso, Sérgio, continue nos conduzindo por suas mesas. Cada uma melhor que outra.
sergio geia disse…
Obrigado, queridas e queridos

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