BAGAÇO >> MÁRIO BAGGIO
A mãe disse que daria uma laranja madura para a filha se ela se comportasse e fizesse o que tinha pedido. A garota, com esforço sorridente, se comportou e fez a vontade da mãe. Então a mulher, gargalhada imunda nos olhos e nos dentes, chupou a laranja e jogou o bagaço no colo da menina. A pequena agarrou o resto seco da fruta e ficou um tempo olhando pela janela — para o nada, para o infinito. Seus olhos, acumulados de tanta pena e desprezo em sua curta vida, estavam fixos nalgum ponto lá fora, saturados como os de uma velha.
A
garota escreveu uma história curtinha para apresentar na escola. “Seria melhor
se escrevesse um livro inteiro”, disse sua mãe. A menina construiu uma casa de
bonecas para brincar com suas amiguinhas. A mãe desdenhou: “Muito melhor seria
se fosse uma casa de verdade.” A pequena tricotou um cachecol para seu pai, que
gostava de ver televisão deitado no sofá. “Que perda de tempo! Melhor seria uma
manta, muito mais útil”, decretou sua mãe. A garota cavou um pequeno buraco no
jardim para plantar as flores de que mais gostava. “Tenha paciência! Por que
não faz logo uma cova grande e se enfia lá dentro?”, ralhou sua mãe,
contrariada. A menina cavou então um buraco muito maior e meteu-se lá, para
dormir um pouco. “Seria muito, mas muito melhor se dormisse aí para sempre”,
finalizou sua mãe.
Imagem:
Gianni di Mingo
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