memórias afetivas >> whisner fraga
brincávamos no terreno, o barro se esquivando das mãos enquanto a mãe lavava a roupa no tanque,
o rádio na prateleira, ao lado de sabões, escovas, alvejantes,
uma estação local caprichava: raul seixas, elis regina, amelinha, belchior,
eu queria saber a quem pertenciam as vozes, ansioso para o apresentador revelar,
não tinha aula ainda, a obrigação do dia era com a brincadeira, com a alegria inesperada da mulher em suas tarefas árduas, cantando junto, principalmente as músicas românticas, quase desafinando, por um fio,
só coisa nossa, nunca uma música estrangeira se intrometeria nos acordes, era bom cantar junto, ainda é,
mas depois veio o tempo,
vontade de conhecer outros ritmos, mas não apenas, mais a sonoridade, mesmo,
bem mais tarde, em outra vida, a menina estava com sete anos e íamos para a escola, um caminho quase selvagem, no interior,
eu encaixava o pen drive e nos divertíamos com o glam rock, nada parecido com a mpb de minha infância, mas reconfortante, também,
em casa abria o youtube, na tv, porque eu gosto dos clipes, primeiro quiet riot: era um chamado para a menina, se aninhava, cum on feel the noize, com z, ah, essas desescolas,
eu sei lá nome do baixista dessa banda!,
e nem vou citar outras, tantas, glam rock,
outro dia, crescida, quase, a menina veio, pediu para assistirmos, sei lá, scorpions: passei o controle a ela e logo ela solta, ah, vem uma nostalgia quando escuto essa, algo bom,
e contou a influência dessa quase banalidade de colocar a mesma música do mesmo pen drive, ou o mesmo clipe no mesmo canal, e cantar junto, rir: blackout,
tudo fica meio sério quando nem temos essa intenção de seriedade: durante a pandemia eu a chamei: vamos aprender russo,
me lembrei: gente, e o iron maiden soviético, conhece?, busquei na internet, tão fácil: aria,
foi avassalador,
esses fios que nos levam ao mesmo lugar de sempre: às memórias de momentos que ainda construiremos, sem percebermos.
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