Primeiro amor >> Alfonsina Salomão



Quando meu filho tinha uns cinco anos, ele me disse: 

 

- Mamãe, estou apaixonado pela Ana.

 

E eu, num reflexo estúpido, perguntei: 

 

- Ela é bonita?

 

- Ela ri das minhas piadas – ele respondeu. E continuou:

 

- Ontem, quando eu contei uma piada, ela estava bebendo água e riu tanto que até cuspiu! 

 

Achei graça, ao mesmo tempo em que fiquei envergonhada com minha reação e admirada com a resposta dele. Muitas vezes tenho a impressão de que meus filhos já são mais sábios do que eu.

 

Três anos se passaram até que, algumas semanas atrás, ele me contou que estava apaixonado pela Ana.

 

- A mesma? – perguntei.

 

- Sim – ele respondeu, explicando que ela namorava seu amiguinho mas eles tinham divorciado.

 

Ele estava ensaiando para se declarar, mas faltava coragem. A irmã de onze anos sugeriu escrever. Ela redigiu uma carta para o rapazinho, que já estava colocando o envelope na mochila quando resolvi interferir. Graças a Deus, porque a pré-adolescente havia escrito um texto exagerado e descabido onde, em meio à declarações de amor, lia-se coisas como: “se você aceitar namorar comigo você será uma rainha e todos terão inveja de você”. Nada a ver com os sentimentos do menino.

 

Alguns dias depois, ele, que normalmente só veste calças de moletom e camisas de time de futebol surradas, separou um jeans e uma blusa nova para a manhã seguinte. Estava decidido, diria à Ana que a amava. Não dei sorte, caía numa sexta-feira, único dia da semana em que saio de casa  antes das crianças acordarem. Não aguentei. Na mesa do café da manha, ao lado dos pratinhos para os cereais, deixei um bilhete  : “Meu filho, você é o menino mais incrível do planeta e, caso a Ana não aceite namorar com você, é só porque vocês ainda são muito novinhos para estas coisas”.

 

Para meu alívio, ele chegou da escola todo feliz. A Ana disse que estava apaixonada por ele desde o primeiro ano do primário e, durante o recreio, deu um abraço nele, o que o deixou ao mesmo tempo orgulhoso e constrangido.


Agora estamos de férias na Espanha e ele entra em todas as lojas de souvenir que vê, me pedindo para comprar um presentinho para a Ana. Fora o coração rebuscado do caderno de colorir para adultos que o menino está colorindo minuciosamente há três dias para ela, e a pedra em forma de coração que ele achou na praia e já pôs na mala para levar para a amada.

 

Meu coração quase derrete com tanta ternura. Mas a cereja do bolo foi hoje, quando o levei no cabelereiro e ele, que já tinha escolhido um corte ousado, de repente mudou de ideia e pediu para cortar apenas as pontas. Sem entender, perguntei o que o fez mudar de ideia. E ele explicou:

 

- É porque se eu mudar de cara a Ana não vai mais gostar de mim. 

 

 

 

 

 

 

 

 

Comentários

Ana Raja disse…
Derreteu meu coração! Que sorte dos dois... ah, o amor!
Mário Baggio disse…
É amor pra durar a vida inteira. Esse menino é uma graça.
Jander Minesso disse…
Que final delicioso para um texto que dá vontade de guardar num pote. Lembrei na hora da Cíntia, meu primeiro crush. Obrigado por esse texto tão acalentador.
Albir disse…
Que nunca mais esqueçam o que é amar, mesmo que o namoro acabe.
Zoraya Cesar disse…
Todo relacionamento devia se basear, entre outras coisas, na capacidade de rirmos ou fazermos o outro rir. E que lindaaaaa história de amor. Adoro histórias de amor, ainda mais essas, tão singelas e delicadas! Obrigada por compartilhar!

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