O ROTEIRISTA >> Carla Dias
Começou ao acaso, quando o diretor da firma na qual trabalhava perguntou a ele o que faria se tivesse de estar em um lugar, mas desejasse ir para outro. A trama envolvia infidelidade, um dos temas mais suculentos das fofocas repassadas na fila da cafeteria. A resposta do assistente de limpeza foi tão apurada, que o chefe, que a princípio fizera a pergunta em uma pegada retórica, por desacreditar completamente que o outro fosse capaz de entender dilemas, teve de pedir para ele repetir tudo. Ele o fez, enquanto higienizava o balcão de atendimento, o eco do vazio de horário fora de expediente aos berros. O diretor viu saída na ideia do funcionário, do qual não sabia o nome, e nem se deu ao trabalho de conferir no crachá em destaque no uniforme cinza chumbo. Achou a saída do outro tão interessante, que decidiu arriscar, resultando em um desfecho positivamente inesperado. A partir dali, passou a ficar até mais tarde, celular no “gravando” todas as respostas do assistente aos questionamentos que o diretor trazia à baila. O questionado apenas respondia, de tão natural que era, para ele, arquitetar saídas para os enroscos do outro. Com o tempo, foi promovido de a assistente de limpeza da firma para exclusivo do escritório do diretor, passando o horário comercial a arquitetar um roteiro de resoluções e criações para assuntos comerciais, pessoais e especulativos. O diretor ganhou fama de ser ótimo solucionador de perrengues. O assistente de limpeza ganhou um apelido: o roteirista.
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