COISA DE LOUCO >> MÁRIO BAGGIO

 


        O que contam é que Gabriel não tinha como saber a verdade, já que fora criado por freiras num orfanato. Não conheceu os pais nem ninguém de sua família biológica. Mal tinha nascido quando uma vidente, dessas que ganham a vida enganando gente ignorante, sussurrou no ouvido da mãe:

— Essa criança nasceu com olho grande, a cabeça tem um formato estranho e prevejo tragédia no futuro. Livre-se dela o quanto antes.

 Foi o que fez a mãe de Gabriel: entregou-o às freiras, com a concordância do marido.

 O tempo passou e Gabriel ficou no orfanato até os onze anos. Um dia falou para as freiras com aquele seu sorriso irresistível:

 — Valeu, meninas, mas agora eu vou vazar. Tô indo, muito obrigado por tudo.

 E jogou a perna no mundo. Vagabundeou até os dezesseis, morou na rua, viveu de pequenos furtos, fumou umas quantas pedras e se deixou levar pela vida. Num dos assaltos em que se meteu, o homem gordo não quis lhe dar a carteira e o celular e Gabriel não hesitou em despachar o tipo com dois tiros na altura do coração. Escondeu-se por um tempo até completar dezoito anos.

 Já maior de idade, com o corpo ganhando contornos de homem feito, percebeu que agradava ao sexo oposto e conseguiu emprego como stripper num clube noturno. Todas as noites se vestia de marinheiro e se despia no palco para o aplauso e o grito das mulheres em êxtase. Foi quando conheceu uma mulher madura, viúva e muito rica, que lhe prometeu dinheiro e proteção em troca de carinho. Gabriel logo foi morar com a amante e em poucos dias virou o seu homem de confiança. Passou a desfrutar de delícias da vida mundana: dinheiro, carros, passeios, viagens, restaurantes, festas.

 Quando menos esperava, Gabriel recebeu a visita de dois policiais, que tinham provas de que ele assassinara o homem gordo, anos antes. Suas impressões digitais na roupa do morto o denunciaram. E, como o destino não gosta de deboche, o delegado cismou de fazer um exame de DNA em Gabriel e no gordo. O resultado foi uma tragédia, talvez única no mundo: comprovou-se que, na realidade, o homem assassinado era o pai verdadeiro do jovem assassino. A prisão, então, era o seu inexorável destino e, sem alternativa, Gabriel pediu ajuda à velha amante protetora. Em vão. A mulher não era outra senão a viúva do homem gordo e, portanto, sua mãe biológica.

 — Meu Deus, que história inacreditável! E Gabriel, o que foi feito dele?

 Pegou cinquenta anos de cana. Ficou que nem louco. E cego. Mal entrou na cela, num acesso de fúria incontrolável, arrancou os próprios olhos para não ter que encarar a realidade: ele tinha matado o pai e ido para a cama com sua verdadeira mãe.

 Que tragédia! Não me recordo de ouvir uma história parecida com essa em toda a minha vida.

 Eu também não. Coisa de louco, não?

 — Nem me fale. É de pôr os cabelos em pé.


Imagem: Sigmund Freud em foto de Max Halberstadt (1922)

 


Comentários

Albir disse…
Complexo de Gabriel.
Soraya Jordão disse…
Seu verdadeiro nome era Gabriel Édipo. Adorei!

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