HOMENS SANTOS >> JANDER MINESSO
O primeiro homem santo que conheci gostava de falar hebraico. Ele passava a missa de Natal inteira comentando um tal de “nefesh” enquanto eu torcia para que aquele sacrifício valesse a pena quando eu chegasse em casa para abrir meu presente. A ladainha continuava mesmo nos dias não-natalinos, com palavras em outras línguas e um discurso que me culpava por algo que eu nunca entendi se tinha feito ou não. Fora que os sermões levavam mais de quarenta minutos. Foram dezessete anos até eu perceber que aquela religião não era para mim. Mesmo assim, precisei de mais uma década até perder o medo de que o deus do senhor nefesh jogasse um raio na minha cabeça só porque eu discordava dele.
Um segundo homem santo que conheci usava cabelos compridos, barba bem feita e camisa slim fit. Era jovem e parecia legal no começo. Nunca falou em “nefesh”. Mas algumas ideias dele me deixavam meio ressabiado. Por exemplo: ele não tinha nada contra gays (tinha até amigos que eram). Mas o deus dele não deixava ninguém ser gay, porque o homem e a mulher nasceram para procriar e povoar a Terra com pessoas que pensam e agem todas da mesma maneira, sob um código de regras nada flexível. Ele também me contou uma outra história estranha: o deus dele tinha mandado o próprio filho para a morte certa, uma espécie de bode expiatório por causa de algo muito ruim que a humanidade tinha feito. Ele nunca explicou que algo era esse, mas insistia que só um filicídio poderia resolver a questão. E foi além: disse que se o deus dele entendia que matar a própria prole era a única solução possível, por consequência o único caminho viável para um ser humano seria seguir esse mesmo deus. Quando questionei a afirmação, ele me mandou embora e pediu para nunca mais voltar. Ainda me acusou de intolerância religiosa.
Já um terceiro homem santo conheci num templo. Entrei lá porque achei a arquitetura bonita. Ele e alguns assistentes realizavam um ritual numa língua desconhecida para mim (que ironia), sem se preocuparem com os três gatos pingados que os observavam. Não entendi patavina, mas o cheiro de incenso e o som dos sinos eram agradáveis. O ritual levou coisa de uma hora. No final, pouco antes de deixar o salão principal, aquele senhorzinho nos encarou e disse:
– Muita gente vem aqui em busca de salvação. Se for o caso de vocês, não voltem. Eu nem sei do que é que vocês precisam ser salvos.
Foi assim que me tornei budista não praticante. Vira e mexe, visito o templo e encontro esse cara por lá. Nunca lhe dirigi uma palavra. Mas um dia, juro que vou juntar a coragem para perguntar:
– Por acaso, o senhor sabe o que é “nefesh”?
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Imagem de Gerd Altmann por Pixabay
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