ELA DANÇA EM MEUS SONHOS 2ª parte >> Zoraya Cesar
Terpsícore era seu nome de batismo - mais uma vez confirmando que o Destino é um filho da puta com senso de humor bastante peculiar, pois ela realmente dançava como se a própria musa grega estivesse a seu lado. Sensual, provocante, linda. E que corpo! De endoidecer um renascentista. Encorpada, sem músculos aparentes, toda curvas e maciez. Os seios, perfeitos para caberem nas mãos e nos delírios. A pele e os cabelos, como o entardecer de uma praia deserta.
Quando nos conhecemos, éramos muito jovens, eu estava iniciando minha carreira, e ela, ainda dançando em espeluncas baratas e mal frequentadas. Éramos também tolos, nos apaixonamos um amor impossível,
quente o suficiente para derreter geleiras, mas não para amadurecer dois egos
em ascensão.
Enquanto durou, foi intenso e insano. Transávamos a qualquer
oportunidade, como arminhos no cio, às vezes a noite inteira, e depois saíamos
para nossos trabalhos, insones e saciados. Mas aquela loucura estava cobrando
seu preço. Eu estava entrando num carrossel de excessos e vícios que quase me levaram ao desvio e à destruição. Felizmente meu mentor me arrancou a cachações
daquela situação e colocou meu ego no lugar, dando-me um rumo na vida.
E o Sr. Destino, esse velhaco, me deu uma mãozinha. Terps conseguiu
um emprego melhor, como dançarina numa boate de strip-tease para ricaços, e me
abandonou, para poder se dedicar à caça de um marido rico.
Não brigamos e nem corri atrás dela. Só queríamos caminhos diferentes. Ela, o dos
brilhos e aplausos. Eu, o das sombras e anonimato.
Confesso que sofri. Terpsícore, posso dizer, foi um grande
amor em minha vida. Era engraçada, carinhosa, inteligente. E dançava só para
mim, para meu encanto e delícia. Eu realmente a amava. Ou meu coração ainda inexperiente se deixou enganar. Não sei.
Sei que agora, tantos anos depois, ela reaparece em minha vida,
do nada. "Do nada"? Não, isso não existe.
Fiz um sinal a Callahan, o dono do bar, e ele nos levou a uma
sala atrás do balcão. Ser cliente especial tem suas vantagens. Aliás, só tem
vantagens. Um dia conto como Callahan e eu nos conhecemos, em meio a
traições, tiras corruptos e uma ruiva irlandesa.
A sala tal qual o salão, em madeira e couro verde, o chão de
tábua corrida. Havia um frigobar, um bloqueador de som, lâmpadas que ofuscavam
filmagem e uma prateleira com bebidas. A sala dos segredos inconfessos. Tudo
por conta da casa.
Terps sentou-se langorosamente em um dos estofados, as coxas
apetitosas à mostra. Ela tentava, discretamente, deixar o rosto na semiescuridão.
Mas estou na lida há muito tempo, percebo coisas debaixo das aparências: o cansaço
e medo no fundo dos olhos, o ligeiro descair nos cantos da boca, a tensão
do maxilar. E a pele emaciada debaixo da maquiagem pesada, as mãos nervosas, o
sorriso duro. Nem precisaria da minha experiência profissional para perceber
tudo aquilo - conhecia a mulher com quem tantas vezes deitara de corpo e coração.
Ela bebeu vagarosamente a vodka que lhe ofereci. Eu nada bebi. Já tomara minha dose semanal de uísque. Como disse, bebidas e mulheres são meu ponto fraco. E um homem tem de saber seus limites. Terpsícore já era ameaça suficiente ao meu bem-estar e autocontrole. Pelo primeiro, eu tinha muito apreço. Do outro, muito orgulho.
Olhando-me com aqueles olhos cor de avelã capazes de arrastar um
santo ao abismo do inferno, ela se levantou, ondulando até onde eu estava. Acariciou
meus cabelos, passou a mão no meu peito e foi descendo até meu pau, sussurrando em
meu ouvido, me envolvendo com seu perfume inebriante.
Não tive reação. Senti a surpresa e a decepção dela. Fiquei com
pena. Já disse que mulheres são meu fraco. E aquela era Terps! Derreti meu orgulho e a agarrei, desfazendo seus cabelos, amassando sua roupa,
deixando marcas em seu corpo, jogando-a sobre o sofá. Ao som de gemidos, fizemos
sexo violento e rápido, sem preliminares.
Não, não teve a clássica cena de os amantes fumando após o
sexo. Abandonei o cigarro antes mesmo de me viciar e Terps nunca fora chegada a
cigarros à base de tabaco e nicotina, se me entendem.
Depois que nossos batimentos cardíacos voltaram ao normal, ela
começou a falar. Casara com um pequeno empresário que conhecera na tal boate. Terps
sempre quis ser dançarina famosa de lugares decentes, encontrar um cara rico,
casar e ter filhos, não necessariamente nessa ordem (sim, eu sei, um clichê).
Não conseguira nada disso. O sujeito era rico, mas não milionário; casou porque
Terps era um troféu para mostrar aos amigos e clientes, e gostava de exibi-la
dançando em casas noturnas meia-boca, tinha tesão nisso. Ou seja, ela nunca pôde ascender a palcos mais iluminados. E pior, deixou claro
que não teria filhos com uma vagabunda, que ela se desse por satisfeita em ter casamento, cama, comida e um marido pra chamar de seu.
Mas o pior estava por vir, contou, entre lágrimas grossas e
profusas, que deixaram meu peito alagado. O tal fulano era chegado em violência
física e verbal. E ela descobrira que a empresa era mera fachada para lavagem
de dinheiro. Não podia abandoná-lo, simplesmente, e sair com uma mão na frente e outra atrás,
já não era tão nova, nenhuma boate a aceitaria. Então ela roubara provas
que poderiam mandá-lo para a cadeia e, assim, chantageá-lo. Só que o jogo virará e agora ele estava
atrás dela.
- Querido, preciso que você o mate para mim.
Senti um baque e uma tristeza profunda. Era isso o que queria de mim? Não sei o que ela ouvira falar a meu respeito depois de todos
aqueles anos. Mas estava equivocada. Não sou assassino de aluguel e só mato
quando absolutamente necessário.
- Querido, eu nunca devia ter abandonado você. Estou
arrependida.
Meu coração afundou. Era Terps! O amor da minha vida estava
ali. E precisava da minha ajuda.
Continua a 3ª e, prometo, última parte em 26 de maio.
Comentários
Aí ai...
O que vem por aí?
Carro a postos, bagageiro vazio e pá na mão! Só avisar.
Se a Zoraya terminar esse texto sem cancelar nenhum CPF, é sinal de que o asteroide está chegando, e não vai errar o alvo desta vez.
muito gostado.
Marcio - HAHAHAHAHAAH, cancelar CPF foi o máximo, adorei. Tenho certeza que o detetive sem nome conhece o termo e vai usá-lo
Anônimo - o detetive sem nome mandou avisar que ele é das antigas. Não tem esse mimimi de alfa, beta, redpillado não.
branco - dear lord white, eu adoro spoiler, mas quedar-me-ei silente. Haverá cenários com descrições? Haverá tiro, porrada e bomba? Choro e ranger de dentes?
Jander - eu mesma já fiz krav-magá, mas o detetive nao revela de jeito nenhum qual o treinamento dele. Pois é, vc deu um bom conselho, mas, como ele mesmo já confessou, mulheres bonitas são o fraco, o calcanhar de Aquiles dele. E, afinal, essa é a Terps!
André - haha, deixa de ser muquirana, adoro seus comentários. Olha que Blue Anne está para me contar a última aventura dela, o amigo químico participa, lembra dele?
Dom Albir - gostei demais do 'poça de sangue e cadáver fresco'. Mas olhe, pode tirar a máscara. Como disse o Ferrer, vc entrou pra escola da Countess Nadia e da Lady Killer. Agora é contar os cadáveres
A todos, muito obrigada!