PLANEJAMENTO >> Carla Dias
Demorou-se no segredo. Antes de amanhecer, ela o verbalizou para si, absorvendo som e definição. Bastou a voz escapar uma saudação, acomodou-se no espanto dos de passagem. Um deles lhe segurou a mão e confidenciou uma verdade que ela já conhecia. Afugentou a culpa por não ter surpresa para alimentar expectativa — alheia ou própria. O olhar do outro entregou a ela um desapontamento em vibrato. Ele soltou a mão dela e foi como se a queda a abraçasse. Beijou a boca da queda que em seguida a jogou nos braços de um abismo, então, durou noites muitas. Voltou para casa quando o vento a soprou para dentro da sala. Um perfume de café a recebeu. Declamou uma breve oração sobre desejos de fim de dia. A porta bateu em frase rítmica de fazer pés dançarem. Dançou até eles não suportarem seu peso. O tombo foi exigência do descanso. Acredita ter dormido durante noites tantas. Acordou com alguém chamando seu nome. Outra pessoa respondeu antes dela, vestindo sua identidade. Demorou-se no silêncio. Evaporou ao som de banalidades, sem ter com quem compartilhar o segredo adquirido.
Imagem: Half-figure of a Young Woman © Gustav Klimt
Comentários
Gde bjo!🤗
Como sempre, D. Carla Dias, a Princesa das Palavras, nos brinda com um texto PRIMOROSO, repleto de profundidades perturbadoras e ao mesmo tempo líricas dentro das suas frases tão, mas tão, mas tão bem construídas.
Um conto curto poderosíssimo.