UMA AMIGA ESCREVEU >> ANA RAJA
Essa semana, li uma crônica de uma grande amiga que me deixou emocionada. Somos leitoras beta uma da outra, ou seja, trocamos textos para conferência, antes de qualquer publicação. Mesmo com o entusiasmo, instigado pelo amor que cerca algumas amizades — quando, em um primeiro momento, achamos perfeito tudo o que o outro faz—, eu e ela sabemos, na segunda leitu-ra, enxergar nas linhas desenhadas o propósito do pensamento. Identificamos se o texto precisa de alguma mudança, palavras repetidas, se aquele verbo foi a melhor escolha, e fazemos isso com muita liberdade e respeito, movidas pela confiança única que uma amizade é capaz de proporcionar. Imergimos na bele-za da linguagem em busca de um ar renovado, de um tempo maior de ilusão e, quem sabe, de autoconhecimento.
Nos encontramos pela primeira vez há quase quatro anos, através da tela do computador, por conta de um curso de escrita criativa. Me lembro de ter ficado com dúvida em relação ao primeiro exercício apresentado pelo pro-fessor. Achei chato perguntar direto para ele, mas tive a ideia de enviar uma mensagem no privado para alguém do grupo do WhatsApp... mas para quem? Havia mais de vinte pessoas participando do curso. Ainda assim, fiz a escolha certa. Soraya me respondeu em alguns minutos e solucionou a minha dúvida. Continuamos nessa troca até hoje.
Na crônica ‘O que você espera’, ela abordou um tema da maternidade que acredito afligir a maioria das mães: a culpa. A personagem do início do texto, grávida, expõe o desejo de que o filho, ainda a caminho, seja feliz. Isso causa um incomodo na narradora, pois ela é de um tempo em que as mães desejavam somente saúde aos seus bebês. Se sente culpada em não ter ambicionado também a felicidade ao seu herdeiro. Viu nessa palavra, tão poderosa, quantas vantagens podia proporcionar ao seu rebento. O texto vai por caminhos sensíveis e emocionantes, e vale a leitura de cada palavra.
Eu não sou mãe e nem vou ser. Chorei e ri ao ler sobre o dilema das mães e me reconheci de alguma forma naquelas palavras, mesmo não embalando uma criança em meus braços. Para alguns, estou falando bobagem, pois esse não é o meu lugar de fala, sequer tenho noção das palavras adequadas que a narradora usa no texto. Como sou defensora da liberdade da escrita, caibo em qualquer rascunho de caderno. Mas isso já é assunto para uma próxima vez.
Quando me percebo misturada naquele enredo, fico pensando nesse tal de instinto materno e quase acredito que ele existe.
Então, ao meu filho eu desejo:
“... que meu filho veja graça nas pequenas coisas, considere a vida interessante mesmo quando não estiver feliz, encontre coragem para ser quem ele é, a despeito das exigências familiares e sociais, e que compreenda no seu íntimo: viver é uma aventura sem precedentes e sem garantias. E não há mal nisso, pois não estar feliz é muito diferente de ser infeliz.” Soraya Jordão, Instagram: @doula_das_palavras.
Comentários
Sobre o instinto materno, não acredito nisso,nem como psicóloga nem como mãe (isso seria um lugar de fala?) Acho que a gente tem um impulso inicial dado pela natureza, que é pra que nossos filhos não morram, mas a verdade é que maternar da trabalho e exige determinação e decisão. Mas é compensador.
Outra coisa que é muito compensadora é ver como a amizade transcende linhas, a ponto de ver as palavras da sua amiga refletidas na sua crônica e depois encontrá-la nos comentários, emocionada e reconhecida. Que coisa mais linda!
"lugar de fala", nem digo nada. André e Nadia já disseram tudo o q eu poderia dizer e, claro, disseram melhor. Fecharam o assunto.
Esse é um texto no qual vc se abriu um pouco para o mundo, sem o subterfúgio da ficção. Bonito de se ver!