O MUNDO DA PERSPECTIVA DE UM GIRASSOL E DE OUTRAS PLANTAS >>> Nádia Coldebella

A rotina de um girassol é sempre a mesma. Ainda uma tenra plantinha, ele desperta, em expectativa. Virado para o leste, aguarda o sol levantar-se no horizonte e passa a segui-lo, avidamente, até o momento em que ele se põe. À noite, percorre o sentido contrário, para que, no outro dia, de face novamente virada para o leste, possa saudar e acompanhar mais uma vez o astro-rei. Existe, claro, uma explicação biológica para o fenômeno que está relacionada aos ritmos circadianos da planta e regulam sua “noção” de dia e noite. 

Enquanto o girassol se esmera pelo seu sol, na América Central, uma árvore conhecida como “Palmeira Andante”, anda - é isso mesmo que você leu - alguns centímetros por dia. Ela percorrerá vinte metros em um ano, uma maratona para uma árvore. Cientistas incrédulos ainda não entendem como ela anda, mas sabem o porquê: ela busca um solo melhor e quer mais luz do sol. 

Do outro lado do mundo, uma estranha planta rasteira, conhecida como polvo do deserto, é pura contradição: nela convivem características completamente antagônicas, que nunca deveriam coexistir na mesma planta. Muito esforçada, seu objetivo é sobreviver com um caule muito grosso que não cresce - ao contrário das duas únicas folhas que nunca param de crescer e tem a ingrata função de absorver o orvalho da noite e manter a planta viva. Parece que as únicas duas folhas são bastante competentes no que fazem. A planta pode viver mais de mil anos.  

Se o polvo do deserto se abre em busca de orvalho, a dormideira é uma planta tímida. Suas folhas se contraem quando tocadas ou expostas a calor ou vento, mas permanecem fechadas por um curto período de tempo, para depois se abrirem novamente. É uma estratégia que ela usa para se defender de predadores, pois ao se contrair, parece uma planta seca ou murcha. 

Uma samambaia, nada tímida, porém, terá seus dias contados. É a selaginella lepidophila, conhecida como planta da ressurreição. É um nome forte para uma planta, mas ela sabe muito bem fazer jus a isso. Vivendo no deserto do Chihuahua - é isso mesmo - ela definha completamente nos períodos secos, mas revive após uma chuvinha. Ela aproveita o momento e espalha suas sementinhas pelos ares, para garantir a continuidade da espécie. 

E cada um sobrevive como pode. A dioneia é uma pequena planta, de no máximo trinta centímetros, que cresce num pântano. Produz pequenas flores brancas, mas sua aparência frágil esconde um ardil. Suas folhas arredondadas e espinhosas são unidas como se fossem mandíbulas com dentes. Ela secreta uma substância pegajosa que atrai insetos para a morte certa. Depois de digerir prazerosamente sua vítima durante dias, suas folhas-armadilha se abrem mais uma vez. 

Não posso deixar de achar interessante estas plantas-metáforas. Elas revelam um mecanismo da vida com a mais clara objetividade.

Conheci muitas dioneias, revestidas de profundas fragilidades - sim, são fragilidades reais! Verdadeiras máscaras a ocultar a face de predadores meticulosos e sorrateiros, que nos enganam e se enganam, acometidos por um gozo prazeroso de maldade disfarçada na mais pura inocência. 

Tive o grande presente de encontrar pessoas que depois de enfrentar uma vida destrutiva, ressurgem e brotam ao primeiro sinal de afeto, plenas, deixando sementes de amor e esperança ao seu redor. Verdadeiras plantas da ressurreição. Heróis. 

Outras mais tímidas, como a dormideira, se fechavam ao primeiro sinal de dor. Mas logo se abriam novamente, procurando florescer e amar sem machucar-se. Não sabem, ainda, a impossibilidade disso.

Também vi pessoas enraizadas, fixas no solo, que não possuíam ambição nenhuma em crescer. Cheia de contradições em todos os níveis, não pensavam, apenas lançavam seus tentáculos para todo lado, polvos do deserto que eram, a fim de garantir a sobrevivência de mil anos. Esqueceram de viver, preocupados que estavam em permanecer. Alguns se tornaram políticos, às vezes sem cargos.

Conheci outros, estes imponentes palmeiras andantes, que necessitavam mover-se, mas por algum motivo eram impedidos pela vida. Mesmo assim insistiam e moviam-se pouco aos olhos dos outros, mas uma enorme distância diante das dores que os atormentavam. Estes não parariam tão cedo e acabariam indo mais longe que qualquer um.

Atualmente me debato com os girassóis, criaturas que apenas olham para cima procurando algum mestre que os guie. Entregam suas vidas ao direcionamento de uma dioneia disfarçada de sol e assim seguem, aparvalhados, no movimento que lhes consome. 

Esqueci, porém, de acrescentar uma coisa. Depois de uma certa idade, o girassol para de contorcer-se. Ele fixa seu olhar para leste e ali fica, independente do quanto insista o sol para ser seguido. 

Este girassol encontrou a direção, mesmo que isso signifique ficar de costas para aqueles que estão de pétalas fixas no sol. Este girassol não será consumido pela ingenuidade enganadora da dioneia perversa.

(Em tempo: Eu sinceramente não sou uma especialista em plantas. Se ganho alguma, peço para quem me presentear que elas sejam resistentes. É que como botânica, sou ótima psicóloga. Fico pensando em gente e acabo matando as plantas por pura negligência. A planta que sobreviver a minha pessoa será mais heroica que a planta da ressurreição).



Comentários

Jander disse…
Belas metáforas. Quem nunca esbarrou numa dioneia por aí?
ana carb disse…
Lindo texto, como todos. Sempre sensível, delicado, profundo.
Mauro Fregolon disse…
Um gesto de otimismo e de esperança

Bom dia ‼️
Zoraya Cesar disse…
que maravilha de texto, Countess! Amei conhecer essas plantas, vc fez uma pesquisa e tanto! E amei a sua descrição tao particular. Sem falar no alinhave final comparando-as a seres humanos. Maravilhoso, como sempre. E pode deixar, vou te dar um cactus de presente, bem espinhoso, bem resistente, bem amoroso.
Ana Raja disse…
Nádia, adorei o seu texto. Muito bem construído e com belas metáforas.
Em alguns momentos da nossa caminhada nos misturamos na essência dessas plantas.
André Ferrer disse…
Mudar o ponto de vista muda a realidade.
Albir disse…
Que maravilha, Nádia! Achei as plantas interessantes, mas fiquei encantado com suas reflexões.
Nadia Coldebella disse…
Obrigada pelos comentários, amiguinhos. Quem sabe um dia eu tenha um jardim?

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