LIGAÇÕES PERIGOSAS >> Albir José Inácio da Silva

 

- Boa tarde, bem-vindo ao nosso atendimento, o valor de sua conta é cento e noventa e dois reais e noventa e quatro centavos, e o vencimento é dezessete de março de dois mil e dez, se deseja informações sobre nossos produtos, digite dois, se deseja comunicar pagamento de fatura, digite três, se deseja mudança de plano ou cancelamento, digite quatro, se deseja falar com nossos atendentes, digite cinco.

 

Cinco.

 

- No momento todos os nossos atendentes estão ocupados.

 

Consegui falar com alguém depois de duas horas e quarenta e sete minutos, e vinte e nove tentativas. E não foram mais porque parte do tempo eu fiquei atendendo e repetindo ao telefone que não era do Salão Flor de Cupuaçu e que a minha voz não estava mais grossa porque eu não era a Genalva. Expliquei tudo isso à Maria Júlia logo depois que ela me disse:

 

- Repita o número do seu telefone com DDD, por favor, obrigado pela confirmação, em que posso ajudá-lo?

 

Contei que há quatro dias a cidade inteira me liga marcando pé e mão com francesinha, escovas orientais de frutas com chocolate e depilações exóticas. Ontem ligaram às três da manhã perguntando se tinha horário para limpeza de pele, o que me fez desconfiar da seriedade desse salão.

 

- Não tenho feito outra coisa, além de atender telefone e tentar falar com a senhora ou outro maldito atendente que me resolva esse tormento, já que tenho pagado com fidelidade pelo direito de ser infernizado por essa empresa e seus milhares de clientes, que também devem ser clientes da Genalva no Flor de Cupuaçu! – aguardei ofegante, mas veio o som de ocupado em vez da voz fanhosa de Maria Júlia, e eu entrei em desespero.

 

Muito desespero depois, digitei cinco, ouvi musiquinha por dois minutos e meio e bastou dizer o número do telefone com DDD para ser informado de que não poderia falar com Maria Júlia, mas que ela, Lúcia Helena, poderia me atender desde que, é claro, eu repetisse o meu problema.

 

Comecei diferente: disse que estava indo a uma loja da operadora dela, e que tinha muito medo de que alguém saísse de lá de ambulância e eu de camburão. O impacto foi bom porque Lúcia Helena ficou em silêncio e eu continuei. Falei do martírio que já durava quatro dias, do Salão Flor de Cupuaçu, das noites sem dormir, das milhares de ligações que recebi, das centenas de ligações que fiz para a central de atendimentos, das  dezenas de números de protocolo que anotei, e da ironia das promessas de solução imediata que recebi de atendentes e supervisores.

 

Lúcia Helena fez sua voz mais aconchegante:

 

- Eu estou aqui para estar tentando lhe ajudar, mas para isso é preciso se acalmar, não adianta ficar gritando no telefone porque não vai resolver nada, entendeu, Dona Genalva?

 

Taquicardia e uma grande esforço para respirar. Vejo o celular se espatifando no chão antes que a vista escureça. Ouço mais um baque. Ouço vozes que se aproximam, se misturam, mas não entendo o que dizem. Ouço uma sirene. Já não ouço nada, penso.

 

Penso que não serei mais Dona Genalva e sorrio porque não vou poder estar pagando a fatura de cento e oitenta e dois reais e noventa e quatro centavos que vence no dia dezessete de março de dois mil e dez.

 

Este texto faz parte do PROJETO CRÔNICA DE UM ONTEM e foi publicado originalmente em 14/03/2010.

Comentários

Nadia Coldebella disse…
Já andei pela sua timeline de textos aqui no Crônica, mas esse eu não conhecia. Que texto bacana! Gostei de verdade. Se eu fosse o personagem, já teria matado alguém bem antes.
Só pra vc ter uma ideia da atualidade desse texto, hj meu celular tocou 14 vezes, entre as duas e cinco da tarde. Devo estar sendo muito famosa na operadora. Vou estar entrando em desespero a partir da 15a chamada...
Também vou estar te deixando um grande abraço 🤗
Jander disse…
Gente, essa ameaça do camburão e da ambulância é boa demais. Gostei muito, tanto da ameaça quanto do conjunto da obra.
Anônimo disse…
Amigo Albir, gerundismo e a inoperância cretino-capitalista das operadoras é uma combinação pouco saudável. Mas não é o fundo do poço. O fundo do poço é a mistura satânica de gerundismo com qualquer tipo de proselitismo. Isso é terrível, meu irmão. Isso é um golpe direto na sanidade. Texto engraçado e real. Muito bem escrito. Ah! Salão Flor de Cupuaçu é poesia. André Ferrer aqui.
Zoraya Cesar disse…
Hahaha, pô D. Albir, eu sei q todo mundo tem de se virar, ganhar um dinheirinho extra, mas terceirizar D. Genalva e sua flor de cupuaçu tb já é demais. Eu ri tanto c esse seu texto! Ele é tão bom q quase deu pra abstrair o ÓDIO q eu tenho por.essas malditas operadoras de telefonia. D. Albir c timing cômico perfeito!

Ah, os comentários de Mr. Ferrer estão ficando um espetáculo à parte, como os da Countess
Amei o nome do salão, Flor de Cupuaçu! Quem nunca passou por esta horrível situação de esperar, contar, recomeçar… com operadores de telefone que vão estar tentando nos ajudar mas na verdade não fazem p nenhuma 🤣 tb dei bastante risada por aqui!!
sergio geia disse…
Deve ser interessante conhecer essa dona Genalva e principalmente o Flor de Cupuaçu. Com todo respeito, amigo rsrs
Albir disse…
Obrigado, Nádia, Jander, André, Zoraya, Afonsina e Sérgio pelo carinho de seus comentários.

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