ASSIM CAIU O ANJO >> JANDER MINESSO
– Lúcifer! Vem cá.
– Eis-me aqui, ó Deus.
– Que tal isso aqui?
– Me parece um boneco de barro.
– Lu, esse é o homem. Acabei de inventar.
– Lembra muito o Senhor.
– Pois é. Ficou a minha cara, né? Só queria saber o que você achava dele antes de eu assoprar pra criar vida.
– Se Te parece uma boa ideia, quem sou eu para dizer uma só palavra em contrário?
– E por que não seria uma boa ideia?
– Permita-me suscitar alguns questionamentos, ó Portentoso.
– Desembucha.
– Em verdade, tenho uma única dúvida: quão igual a Ti esta criatura é?
– Igualzinho. Sem tirar nem pôr.
– Entendo.
– Entende o quê?
– Altíssimo: penso que, sendo Teu símile, existe a chance da criatura enxergá-Lo sem o respeito devido. E talvez, num futuro distante, ela queira até mesmo competir com o Senhor.
– Será?
– É possível.
– Duvido. Eu sou o pai dele. Que filho se levantaria contra o próprio pai?
– Nossos vizinhos gregos têm bons exemplos sobre o assunto. E em todo caso, é meu dever antecipar quaisquer percalços futuros causados pela Tua obra.
– Ih, já entendi. Você tá com ciúme.
– O que é ciúme?
– Até ontem, você era minha criatura mais bela. Meu magnum opus, meu gol do Pelé na Rua Javari. Só que o papai aqui é gênio. Minha cabeça não para nunca. E estava eu entretido no banho quando me veio a sacada: e se eu me fizesse?
– Um instante, Demiurgo: eu era Tua criatura mais bela?
– Segundo o John Milton, sim.
– E quem seria John Milton?
– Ele ainda não existe.
– Ah.
– Mas não foge do assunto. Você tava aí, felizão, desfilando pra lá e pra cá como o meu queridinho. Só que do nada, bum! Apareceu esse projeto novo. Design elegante, várias opções de acabamento, versão com piupiu, versão com pepeca, uma verdadeira revolução em termos criacionais.
– Continuo sem compreender.
– Lu, entende uma coisa: não precisa se sentir ameaçado. Papai ama vocês tudo igual.
– Senhor, sabes melhor do que eu qual é a coisa certa a se fazer. Mas insisto: uma criatura feita à Tua imagem cedo ou tarde enxergá-Lo-á como um semelhante. E ao raiar da aurora desta constatação, talvez tal criatura não mais tenha razão para temê-Lo.
– Até parece. Sabe por que ele vai me temer? Porque quem manda aqui sou eu. Quando eu cheguei nessa pocilga de Existência, não tinha nada. Tudo o que você tá vendo fui eu que fiz. Inclusive, fiz o homem. Então, vou assoprar e pronto.
– Como eu disse: se achas prudente fazê-lo, eu não tenho o direito de discordar.
– Como que não tem o direito? Cadê tua opinião, Lúcifer? Cadê teu livre-arbítrio?
– Tu não me deste.
– Putz, é mesmo. Pois no homem eu vou botar livre-arbítrio.
– E se a criatura desobedecê-Lo?
– Aí, eu condeno ele por toda a vida eterna.
– Então, a criatura pode discordar de Ti…
– Mas se discordar, tá ferrado.
– Soa contraditório.
– Contraditório é teu pai.
– Tu és meu pai.
– Lúcifer, faz um favor?
– Claro, Senhor.
– Vai pro inferno.
– Pois não.
Imagem: Pixabay
Comentários
Adorei.
E beeeeem interessante!
Majestoso, ó Glorioso Janderilhoo! <3