MARIA RIBEIRO, CASÃO, PADRE JULIO E PODCASTS >> Sergio Geia

 


São Paulo, julho, 2018. 
 
O lugar era o centro cultural b_arco, em Pinheiros. Superdescolado, jovens trabalhando à vista de todos, um café simpático, turma da pesada, do cinema, da literatura e outras artes. Eu estava ali para participar de uma oficina de crônicas com a escritora Ivana Arruda Leite, a quem acompanhava nas redes sociais, já tinha lido um livro dela, o Alameda Santos. Lembro que um dos participantes, numa conversa antes de um dos encontros, me falou que vinha de sua cidade ouvindo podcast. Eu estranhei. Na minha ignorância, não sabia do que ele estava falando. Quase cinco anos depois posso dizer que estou viciado, podcast é o bicho. 
 
Como trabalho em Jacareí, 100km de Dutra todos os dias, faço o percurso ouvindo podcast, principalmente ouvindo o que dizem minhas referências de vida. Falarei de três delas. 
 
Maria Ribeiro é uma atriz incrível. Óbvio que eu já a conhecia das telas, das novelas, do Como nossos pais, do Tropa, do Saia justa, mas Maria pra mim sempre foi uma referência no universo cronístico. Suas crônicas estão na Veja Rio, na Revista Gama, e agora no Uol. Seu estilo espontâneo, sua coragem em se expor, suas posições firmes, suas lutas e seu feminismo sempre me atraíram. Descobri Isso não é Noronha e foi um prazer estar com ela, com Isabel Guerón e com o Maranhão nos meus 100km de todos os dias. Além deles, encontrei gente fantástica lá, como o príncipe do gueto, a Julia Rezende, que retratou com sensibilidade a tragédia da Kiss nos cinemas, o Jorge Pontes, a Valen, e tantos outros artistas, intelectuais, cineastas, escritores. Sem contar as interpretações musicais do Maranhão ao final de cada episódio. O prazer foi tanto que não resisti e dei um alô pra Maria via direct pra dizer, na essência, nossa, como te admiro; ela ficou feliz. Isso não é Noronha. Recomendadíssimo. 
 
Era um domingo de manhã, chuvoso nas primeiras horas, o Corinthians jogaria em Taubaté pelo Paulistão. Sócrates não conseguia se aquecer antes do jogo tamanha a quantidade de crianças que o rodeava em busca de autógrafo. Ele cabeludo, meia baixa, pernas brancas e meio desengonçado. Na primeira jogada entre ele e o Magrão, meus olhos saltaram sem entender o que estava acontecendo: não era futebol, era arte. Casagrande defende incondicionalmente a sua sobriedade (nós sabemos o que ele já passou como dependente químico), a liberdade e a democracia. Viaja o Brasil falando das drogas nas escolas, se expondo, mostrando pra moçada a beleza enganosa das drogas. Neste ano, fez uma viagem mágica às terras Krenak, lá foi batizado com o nome Kiem Yrmram, testemunhou a contaminação do rio Uatu devido à tragédia de Mariana. Assume lutas, e suas lutas são as minhas, é um cara sensível, feminino, não tem medo de falar o que o seu coração manda; seus textos são puro coração. Me senti muito mais próximo do Casão ouvindo Isso não é Noronha, Mano a Mano (entrevistado pelo Mano Brown), e o Roda Viva (sim, da Tv Cultura, em formato de podcast). Walter Casagrande Júnior, sou muito seu fã, apesar de ser palmeirense. 
 
Padre Julio Lancellotti sempre foi para mim uma referência, assim como frei Betto. No Mano a Mano ele disse que o padre é um servidor. O padre lava os pés do povo e não manda lavar. O padre enxuga as lágrimas dos encarcerados. Se Cristo estivesse aqui estaria ao lado da população em situação de rua, dos desalentados, dos combalidos, dos encarcerados, dos negros, das garotas de programa, da população lgbtqia+. Padre Julio encontra forças na fraqueza. Já foi alvo de gás de pimenta, já apanhou da Guarda Civil Metropolitana, recebe sistematicamente ameaças de morte, é perseguido todos os dias, mas fez uma opção: deixar o conforto de sua sacristia e sair às ruas para lutar no meio das pessoas vulneráveis. Sempre quando vejo a força e a resistência de padre Julio, me vem à mente a figura frágil do pequenino de Assis. Padre Julio é um pequenino de Sampa, um grande homem de Deus e dos pobres, sem contradições. 
 
Em lugares diferentes, Maria, Casão e Padre Julio me tocam, me acarinham, me inspiram, me fortalecem, fica mais fácil viver com eles por perto. 
 
 
 
Ilustração: Pixabay

Comentários

Nadia Coldebella disse…
É sempre bom admirarmos alguém porque isso nos inspira! Isso alimenta a alma e a veia do escritor! Um abraço!
André Ferrer disse…
Os subterrâneos do escritor são aqueles que inspiram o escritor.
Jander disse…
Sempre aquele texto leve e delicinha de ler. Obrigado pelas dicas, Sergio! Viciado em podcasts que também sou, já vou atrás das sugestões. Você conhece o Escriba Café? É uma baita produção e vale a pena uma escutada.
Zoraya Cesar disse…
Como disse o Jander, texto delicinha de ler! Há muito tempo não leio Maria Ribeiro, mas gostava bastante. Todo aquele que consegue superar um vício, uma compulsão (às vezes a gente nao consegue nem fazer uma dieta!) tem minha incondicional admiração. E qto ao Padre Julio, um Homem, um Gigante entre formigas, que encarna a missão de Cristo na Terra, e, apesar da nossa inércia, tenta fazer um mundo melhor.
Valeu, Sergio, muito. Vou tentar incluir podcasts em minha vida kkkkk
Albir disse…
Sim, imprescindíveis esses personagens, que parecem escrever crônicas com a vida, além dos dedos.
sergio geia disse…
Obrigado, amigas e amigos. Jander, não conhecia o "Escriba Café". Já estou ouvindo. Massa. Confesso que essas referências citadas no texto me ajudam a ser o que sou.

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