FIGUEIRA SECA >> Ana Raja
Descansou — de vez — a seiva coagulando em varizes,
que numa hora atendiam à má circulação,
noutra,
brotando as marcas impregnadas, saltavam da pele prestes a explodir de lassidão.
Morreu o corpo:
a
corcunda dominada pela escoliose que engoliu sua juventude.
A
solidão — de pirraça — não permitiu que seu tronco permanecesse ereto em sinal
de esperança.
Morreu
velha:
sem
ouvir um pio.
Ao
longo do tempo,
negou-se
a escutar qualquer alguém — caminhou sem dar as mãos.
No
quarto de um asilo qualquer:
plantada,
sozinha, morta de sentimentos secos.
Morreu o corpo velho.
Velho
de idade, de doença fatal para uma casca macróbia.
Ser
a última raiz não lhe açoitou com incômodo.
Morreu sem deixar frutos.
Morreu
o corpo velho do pai, da mãe, da irmã, do irmão —
só
faltava o seu.
Acabou.
Sem dor ou lucidez.
A
última árvore:
Inês.
Comentários
Palavras duras, mas com uma beleza poética. Que toca a alma e coração ❤️
A figueira seca é um arquétipo bem conhecido, mas esse salto q vc fez, ficou espetacular
Enquanto eu lia, ficava imaginando uma pessoa-árvore, de pele cascuda. Sabe aquelas árvores secas, sozinhas, apodrecidas, que a gente vê na estrada qdo viaja? Pois é, muito triste pensar nisso, que existem pessoas que padecem assim.
Que texto!