FIGUEIRA SECA >> Ana Raja


Descansou — de vez — a seiva coagulando em varizes,
que numa hora atendiam à má circulação,
noutra,
brotando as marcas impregnadas, saltavam da pele prestes a explodir de lassidão. 

Morreu o corpo: 

a corcunda dominada pela escoliose que engoliu sua juventude.
A solidão — de pirraça — não permitiu que seu tronco permanecesse ereto em sinal de esperança. 

Morreu velha:
sem ouvir um pio. 

Ao longo do tempo,
negou-se a escutar qualquer alguém — caminhou sem dar as mãos. 

No quarto de um asilo qualquer:
plantada, sozinha, morta de sentimentos secos. 

Morreu o corpo velho. 

Velho de idade, de doença fatal para uma casca macróbia.
Ser a última raiz não lhe açoitou com incômodo. 

Morreu sem deixar frutos. 

Morreu o corpo velho do pai, da mãe, da irmã, do irmão —
só faltava o seu. 

Acabou. 

Sem dor ou lucidez. 

A última árvore:
Inês.


anaraja.com.br

Comentários

Jander disse…
Ana, eu queria ter a sua força de escrever coisas tão doloridas e bonitas ao mesmo tempo. Parabéns de novo.
Anônimo disse…
Ana,
Palavras duras, mas com uma beleza poética. Que toca a alma e coração ❤️
Soraya Jordão disse…
Potência, poesia e realidade. Lindo!
Claudia disse…
Lúcido e intenso, como o desaparecimento. Um primor!
Nadia Coldebella disse…
Que comparação maravilhosa!
A figueira seca é um arquétipo bem conhecido, mas esse salto q vc fez, ficou espetacular
Enquanto eu lia, ficava imaginando uma pessoa-árvore, de pele cascuda. Sabe aquelas árvores secas, sozinhas, apodrecidas, que a gente vê na estrada qdo viaja? Pois é, muito triste pensar nisso, que existem pessoas que padecem assim.
Que texto!
Albir disse…
Isso mesmo, a um tempo belo e dolorido!
Tatiana disse…
Curto e grosso. Real. Mundo precisando disso. Parabéns!
Zoraya Cesar disse…
PUUUUUT@ QU& P@R!U, Ana Raja, que petardo! Estilhaçou o vidro, entrou no aposento e espalhou cacos cortantes por todos os lados, atingindo da superficie ao âmago e deixando um gosto de sangue, tristeza, derrota e inexorabilidade. Carai...
Anônimo disse…
Acabo de ler um assombro. André Ferrer aqui.

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