NÓS >> Ana Raja



É a cara do pai.

Essa era a frase que eu mais escutava quando criança. Eu gostava de me parecer com ele. Alta, magrela, os dedos longos, mas o nariz, não! Fui salva da marca registrada da família do meu pai. 

Não conheci pessoalmente a minha vó paterna, mas dizem que o meu cabelo é igual ao dela. Já meus olhos pequenos, e o rosto magro, são todos traços do meu pai.

Também herdei o jeito dele de ser: séria, grudenta, amorosa, franca com os sentimentos – meus e dos outros - e interessada na forma das palavras e de como transportar ideias para o papel. Cresci na companhia dele sorrindo para todas as afinidades e parecenças. Espelho.


Sou a minha mãe. Venho descobrindo isso com o tempo. Há muito dela em mim. Talvez não na aparência, apesar de, ultimamente, as pessoas nos acharem bem parecidas. Temos o mesmo timbre de voz, a minha letra é igual a dela, compartilhamos os mesmos humores e ranços por determinadas pessoas. 

Achamos que sabemos tudo uma da outra. Quando respondemos, irritadas, que estamos bem enganadas sobre isso, que somos diferentes, nos deparamos com a realidade.

Eu sei o jeito dela e ela sabe do meu. Eu sei o que ela pensa; ela sabe dos meus pensamentos. Eu sei das suas dores; ela cura as minhas. Sei das reações que ela terá diante de qualquer acontecimento; ela me prepara para as minhas possíveis reações. Eu sei que ela me ama e se embriaga do meu amor.

Meu pai é a parte lúdica da minha história. É amor, daquele que dispara o coração ao menor sinal de lembrança. Minha mãe é a constante imagem no espelho. Somos duas desde sempre e para sempre. 

Com ela, uso as cores primárias para criar o colorido de uma conexão fortalecedora entre mãe e filha.


Comentários

Nadia Coldebella disse…
Que lindo e perturbador, tbm. Vou ficar refletindo aqui...
Luciana G. disse…
E o que seria a vida se não nos reconhecêssemos né? E sim, graças a Deus por isso que se chama: essência! Lindo!!
Jander Minesso disse…
Acho que a gente nunca escapa de ter um pouco dos dois lados, né? E você tem razão quando mostra que essa percepção vai mudando com o tempo. Mais um texto lindo, lindo, minha amiga.
Soraya Jordão disse…
Você e esse seu dom de colocar poesia nas palavras e nos fazer refletir sobre os sentimentos mais íntimos. Lindo, amiga!
Ana,
Você sua escrita é sensível e questionadora. Temos geneticamente um pouco do pai e mãe e nesse embrenhar de celulas somos únicos.
Marlene disse…
Com habilidade Ana expressa sentimento cultivado na nada fácil tarefa de reconhecer e aceitar. Se coloca disponível para perceber que ama e é amada. Bem-vindo texto!!!
Zoraya Cesar disse…
Você escreveu de modo tão delicado essa estranha relação simbiótica que temos como nossos pais. Queremos ser diferentes, mas qd descobrimos parecenças encontramos nossas raízes. É uma luta para sermos quem somos sem deixar de sermos quem somos. Vc entende. Lindo e sensível texto.
Elaine da Mata disse…
Como é bonito ler seus escritos , e como nos é sugestivo. Faz a gente pensar e cai como uma luva , pelo menos na minha opinião. . Hoje o que me veio à mente, são as minhas semelhanças entre os meus pais. Realmente a genética se mostra ao longo dos anos.. Essa é a constatação. Amei o texto.
Ana Reis disse…
Ana, tanta sensibilidade, abertura para falar de sentimento, você é incrível, amiga! te admiro demais!
Albir disse…
Que beleza, Ana!
A gente se reconhece neles o tempo todo. Algumas vezes gostamos, outras negamos, mas estão em nós. E quando já se foram, isso vira nostalgia e saudade.

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