ENCONTROS INUSITADOS >> SERGIO GEIA

 


Peguei o Uber na Francisca Miquelina. Era um sábado ensolarado em Sampa, as pessoas flanando pelas ruas. Após me acomodar no banco traseiro, ouvi uma voz saindo do rádio que me pareceu familiar. Em segundos identifiquei: Rod Stewart. A canção era suave e me fez bem. 

Assim eu começava uma crônica publicada aqui no Crônica, em setembro de 2023. Nela, eu contava algumas histórias com motoristas de Uber de São Paulo, ou, melhor dizendo, a falta delas, os angustiantes silêncios, esses motoristas falam pouco, eu dizia; normal, pai, somente você mesmo pra bater papo com eles, respondia minha filha. 

Outro dia lá estava eu novamente em Sampa, Uber na mesma ruazinha adorável da Bela Vista, sexta-feira, previsão de chuva, frio e vento que já começava a ventar. Após me acomodar no banco traseiro o motorista disse: 

— Bom dia! Seja bem-vindo! 

Estranhei. Como sou raposa velha, fiquei na minha, engolindo o meu silêncio. Não vou me arriscar, pensei. De repente, ao dobrar uma esquina, ele me surpreendeu outra vez: 

— Olha a samambaia, olha! — parecia uma criança vendo um papagaio no céu. 

Na hora não entendi, mas obedeci. No meio da multidão, uma mulher na calçada carregava um vaso de samambaia nas mãos. Ele parecia encantado, mais que isso, eufórico com o inusitado da cena. 

Já estava na Treze de Maio, não consegui emendar um dedinho de prosa sequer com o sujeito, uma pena. Desci em frente ao Empório Cantina Ruperto, onde almocei. Depois, de sobremesa, na mesma rua, Cannoleria Cannoli do Bixiga

— Você está na fila? 

Não, ele respondeu, sentando-se à mesa na calçada. Algum tempo depois, se levantou, abraçou a fotocomposição de Adoniran Barbosa, olhou com afeto para a casa e entrou. 

Era o proprietário da Cannoleria Cannoli do Bixiga. O ator Milhem Cortaz.

Comentários

Jander Minesso disse…
Meu caro, você é o Cartier Bresson do texto.
Nadia Coldebella disse…
Tão bem contado que já quero andar nas mesmas ruas, pegar o mesmo Uber, ver a msm mulher samambaia e almoçar no msm lugar!
Edna Kamezawa disse…
Não rolou nem uma tietagem e um pedido de autógrafo? Poxa...
sergio geia disse…
Grato, queridas e queridos, pela leitura e comentário. Jander, amigo, a minha crônica é um retrato do cotidiano. Como disse meu amigo Dênis, Nádia, São Paulo é pura magia e num passe de mágica, Milhem Cortaz estava à minha frente. Edna Kamezawa, vontade não faltou.
Zoraya Cesar disse…
O prosador das pequeninas grandes coisas nos abraça novamente numa crônica singela e cinematográfica. Me deu vontade de conhecer o motorista de táxi e convidá-lo pra sentar à mesa e ouvir sua história.
Ana Savolet disse…
Meu caro Geia, eu simplesmente amo suas crônicas...
Sério, eu me imagino no lugar onde você estava e até as pessoas que estiveram com você consigo visualizar. Eu também sou uma "conversadeira" com motoristas de Uber. Quando eles querem, porque quando não querem, vou em silêncio. Coisa difícil pra uma geminiana. Rsrs. Grande abraço!
Sylvia Testa Braga disse…
Cada pensamento que você publica é algo muito interessante de se ler .
Gosto de tudo que publicas. Tem a ver com a realidade da Vida. Parabéns querido SERGIO GEIA .👏👏👏👏👏👏👏👏
Ana Raja disse…
Quero fazer esse caminho. Bom demais acompanhar essa sua história.
Anônimo disse…
Admiro a facilidade com que vc situa o leitor no texto e na vida.
Anônimo disse…
Esqueci de avisar q sou eu, Soraya J
Albir disse…
Muito bom, Sérgio!
Conte-nos mais sobre sua peregrinação encantada pela cidade.
sergio geia disse…
Grato, queridas e queridos. Zoraya, minha amiga, essas pequeninas coisas são fantásticas. Ana Savolet, que delícia saber que consegue viajar comigo nas crônicas, ainda que num Uber. Sylvia, você é uma querida e obrigado por me acompanhar com tanto carinho. Ana Raja, essa São Paulo nos oferece tantos caminhos, bora. Eu tento, Soraya, nem sempre acerto a mão. Conto, Albir, com o maior prazer.

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