A SEMENTE DO MAL >> JANDER MINESSO
Um dia, na aurora da História, um ser humano descuidado deixou uma semente cair no chão. Um tempo depois, ele notou que uma planta nasceu bem naquele lugar. Dizem que foi assim que surgiu a Agricultura.
Depois disso, o Homo sapiens foi só ladeira abaixo.
Se o ser humano fosse uma criatura legal, nosso ancestral teria pensado: “que coisa boa! Agora, o grupo inteiro vai ter o que comer sem que a gente precise ficar andando para lá e para cá. É só plantar e pronto.” Mas não. Qual foi o raciocínio do bonitão? “Vou botar uma cerca em volta dessa planta. Agora, ela é minha.”
O Budismo diz que o segredo para a paz é a extinção do desejo. Então, não é à toa que a gente vive em pé de guerra. Desde que cercou a primeira planta plantada, a raça humana gasta seus dias querendo e cercando coisas: plantas, bichos, casas, pessoas, tudo. Chegamos ao cúmulo de criar cercas imaginárias, um conceito tão absurdo que precisaram inventar um novo nome para isso: fronteiras. Mesmo assim, resolveram colocar cercas em algumas fronteiras depois. Em suma, a História se resume em gente desejando coisas, gente cercando coisas e gente destruindo cercas para pegar coisas que outras pessoas dizem que são delas.
Não que a ambição seja uma coisa ruim: não fosse por ela, talvez a gente ainda vivesse nas cavernas. Mas o Schopenhauer tinha alguma razão quando esbravejou que “a vida é uma constante oscilação entre a ânsia de ter e o tédio de possuir.” Inclusive, eu queria ter a inteligência do Schopenhauer, o que prova meu ponto de que estamos sempre querendo algo.
Até o conhecimento tem uma cerca ao seu redor, cerca essa que se chama tempo livre. Por exemplo: eu juro que queria aprender mais coisas, inclusive Filosofia. Porém, assim como boa parte da Humanidade, trabalho demais. Tanto que mal consigo escrever meus textos aqui para o Crônica. Imaginem, então, arrumar tempo para ler e entender o Schopenhauer ou qualquer amigo dele. Ouso dizer que é por isso que tanta gente desdenha a Filosofia: inveja. Se tempo é dinheiro, aquele que tem horas disponíveis para pensar sobre a vida, o Universo e tudo mais é a criatura mais rica do mundo. E, partindo desse mesmo pressuposto, o cara que me convenceu a dar um monte do meu tempo em troca de um pouco de dinheiro é tão cruel quanto genial. Mas duvido que ele seja um filósofo. Algo me diz que essa pessoa é a mesma que cercou a planta lá atrás, na aurora da História. Tá aí: mais do que a inteligência do Schopenhauer, o que eu quero mesmo é uma máquina do tempo.
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Imagem: Pixabay
Comentários
Em tempo, se tempo é dinheiro e vc está sem tempo, mas encontrou um tempo pra fazer crônica sobre tempo, então, ou viajou no tempo ou seu tempo é palavra. Muito bem escrita, aliás.
Pronto, filosofei.
Gde abç
Mas, repito em tempo: ler vc é valorizar o tempo.
E bem, quanto a máquina do tempo, eu sempre achei essa ideia sensacional!!! Todas as ficções que giram em torno desse curioso tema, sempre me prendem.
De uns tempos pra cá, juro que eu também queria uma máquina do tempo! Talvez muita coisa fosse diferente…
E, sobre as cercas, talvez sem elas nem Schopenhauer existisse.
Estão acabando as minhas desculpas.