ENTREVISTA COM O MERCADO >> Jander Minesso

 

– Boa noite. Hoje, no Marilda Gabriele Entrevista, eu recebo ele: ao mesmo tempo onipresente e difícil de personificar; muitas vezes reativo e, outras tantas, lento na recuperação. Mercado, seja bem-vindo. Estava ansiosa por essa entrevista.

– O Mercado costuma causar isso nas pessoas. É um prazer.

– Apesar da linhagem nobre, você evita ostentar seus sobrenomes. Por quê?

– O Mercado preza pela discrição.

– Será que eu lembro de todos? Vamos ver: Mercado de Setúbal Lemann Moreira Salles Aguiar Sicupira Arnault Morg…

– Só Mercado está ótimo.

– É que às vezes é bom lembrar. Mas vamos do início: quem é o Mercado?

– O Mercado é alguém simples, que anseia pelo crescimento constante da Economia como um todo. Ele é um cara que busca o bem de todos, nas mais diferentes castas, mas ao mesmo tempo entende que o bolo precisa crescer antes de ser dividido.

– E quanto esse bolo precisa crescer antes de dividir?

– Sempre um pouco mais.

– Você não tem medo de exagerar na gulodice e acabar com diabetes monetária?

– O Mercado é um organismo forte. Ele se autorregula.

– De onde vem esse hábito de usar sempre a terceira pessoa para falar de si?

– O Mercado gosta das benesses da impessoalidade.

– Claro. E como o Mercado vê a Economia hoje?

– Sem dúvida, com maus olhos. Ela vai de mal a pior.

– Por quê?

– Porque é necessário. Uma Economia que vá bem não amedronta. E só o medo acalma.

– Então, existe uma pseudo histeria nesse pessimismo todo?

– A histeria também é necessária.

– Para quem?

– Para o Mercado.

– Imaginei. Mercado, o que você acha das pessoas?

– O Mercado as ama.

– Todas elas?

– Cada uma das oitenta milhões.

– Não são oito bilhões?

– Perdoe o Mercado. Ele achou que você estava se referindo apenas às pessoas.

– Talvez eu tenha me expressado mal. Mas tudo bem, vamos em frente. Mercado, a gente conhece muito bem sua mão invisível, mas fica a dúvida: você é destro ou canhoto?

– O Mercado é ambidestro. Ele precisa dessa flexibilidade para que o bolo continue a crescer.

– Aquele bolo?

– O próprio.

– E como está a massa dele hoje?

– Embatumada, infelizmente. Sugiro cautela. The winter is coming.

– Já que você tocou no assunto “clima”, o que você acha das mudanças climáticas?

– Não existem mudanças climáticas.

– A temperatura do planeta subiu em média um vírgula um grau nos últimos vinte anos.

– Não existem provas.

– Está tudo documentado em uma série de pesquisas científicas.

– Não existe Ciência.

– Bom: a conversa foi ótima, mas nosso tempo acabou. Algum recado para os nossos telespectadores?

– Apertem os cintos, porque o Mercado vai piorar.

– Muito obrigada pela entrevista. E você de casa, fica comigo. No próximo bloco, a conversa é com um engenheiro que criou tudo que existe em apenas seis dias, mas precisou de quarenta pra afogar a humanidade. Não sai daí.

Imagem: Pixabay

Quer ler mais crônicas do autor? Clique aqui

Comentários

Ana Raja disse…
Entrevista das boas. Só esperando para ouvir o engenheiro!
Zoraya Cesar disse…
JANDERRRR!! vc está inspiradíssimo nessa em especial! fantástico. 'the winter is coming'...kkkkkkk mto bom.
vc anda afiado, hein? cada vez melhor.
Anônimo disse…
Para mim, o punch foi aqui: "Perdoe o Mercado. Ele achou que você estava se referindo apenas às pessoas." André Ferrer estarrecido. Belo texto!
Genial!!! Amei cada uma das respostas do mercado. Você está afiadíssimo, como disse nossa querida Lady Zô!
Nadia Coldebella disse…
Que canetinha certeira essa sua, hein? Tá mais pra uma espada cortante e sarcástica. Esse sarcasmo é, aliás, bem oportuno.

Não posso deixar de dizer q enqto o mercado falava, eu lembrei do Valter Mercado. Lembra dele? La garantia soy yo...

Aguardo curiosa a entrevista com o engenheiro.
Albir disse…
Esse mercado me lembrou da sua rima: pecado. Ambos vivem de ameaça, culpa e exploração.

Postagens mais visitadas