BRINCA COMIGO? >> Soraya Jordão


Aquela menina me chamava atenção... era arteira, alegre, sagaz, por vezes, mimada e até manhosa. Tinha um jeito esquisito: gostava de embaralhar as coisas, inventar e misturar histórias, pregar peças, fazer surpresas e, vez por outra, dava susto nas pessoas. Levada, exigente, mandona, mas sabia fazer graça, inventar jeito, promover sorrisos e até gargalhadas. Tinha quem não a tolerasse, não a suportasse, na verdade. Seu temperamento imprevisível dava medo.  

Lidar com ela demandava paciência, negociação, firmeza, atitude e muita, mas muita flexibilidade e resiliência.

A danada era linda, pulsante, criativa, carismática e irreverente. Vivia a correr para todo lado, brincar com toda gente. Contudo, não deixava de ser injusta e seletiva. Para uns, emprestava seus brinquedos, convidava para festa, brincava de pique, abraçava, beijava e fazia cócegas. Para outros, impunha sua marra, antipatia, má vontade e até uma certa crueldade. 

Quando cismava, atrapalhava os passeios, estragava os planos, mudava o jogo. Com a mesma facilidade com que trazia alegrias, criava infernos. Muito embora tivesse prazer em pequenas vinganças e traquinagens, cativava grande parte dos amigos com seu magnetismo singular. 

Outro dia a vi no parque, correndo desengonçada, bochechas rosadas, suor descendo pelo rosto, e as crianças atrás dela, tentando alcançá-la. Ela parava, olhava para trás, ria, fazia careta, sacudia o corpo e cantava: você não me pega, você não me pega, lá, lá, lá, lá. Depois, disparava na frente.

Os colegas, esbaforidos, gritavam: espera, espera, Vida, assim não vale. 

Matheus, Mariana e Ingrid pediram licença da brincadeira. Joana parava, tomava fôlego e voltava a correr. Paulo reclamava da brincadeira, mas seguia correndo. Silvia desistiu de brincar. 

Comentários

Nadia Coldebella disse…
Caramba, que texto legal! Parece q no começo é uma criança mimada (se bem q é) mas no final surpreende. Muito perspicaz!
Ana Raja disse…
Eita que essa menina Vida é danada demais! Muito boa a construção do seu texto.
Jander Minesso disse…
Que amarração bonita, Soraya! Deu uma sensação de completude boa no coração.
Zoraya Cesar disse…
Que ideia genial! Amei o texto. Muito bom mesmo. O fechamento, como disse a Nádia, foi bom demais.
Albir disse…
Ela não para, não espera, não facilita e não ri pra nós. Sempre ri de nós.

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