O INFORMANTE CANSADO - Uma aventura do Detetive sem nome >> Zoraya Cesar
Rua dos Soberanos, s/n, centro da cidade Aquela parte do centro que as pessoas de bem abandonam depois do horário comercial e nunca frequentam durante os finais de semana. Rua dos Soberanos, s/n, sucursal do inferno, habitada pelos demônios da noite – marginais, prostitutas, proxenetas, traficantes, assassinos de aluguel, drogados, pedófilos, policiais corruptos, alcaguetes – todos do baixo clero, que matariam a mãe e venderiam o próprio filho por um pouco de dinheiro, de cocaína, de qualquer coisa.
Há muitos anos não entrava naquela região. Depois que você sai da categoria novato não te mandam mais lá. É uma espécie de escola, sabe? Se sobreviver, você está apto a seguir em frente – como bandido, mocinho ou um pouco dos dois. O meu caso. Embora tenha escolhido o caminho reto, mantenho meus pés na sombra. Sou um detetive, mas você nunca vai saber meu nome.
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As ruas sujas, fedendo a suor e urina. E a bebida, perfume e sexo baratos. Tudo ali era barato. Tudo ali custava caro. Em contraste com toda aquela escuridão moral, a iluminação era feérica - nomes de bares, danceterias e puteiros piscavam em fulgurantes neons coloridos, como o cenário de um filme de hollywood, nos quais tudo que brilha é falso. Música alta saía de cada espelunca na tentativa de atrair os passantes, e você podia ouvir de baladas melosas a heavy metal à medida que caminhava, tomando cuidado para não pisar em um ou outro bêbado ou drogado largados pelo chão.
Rua dos Soberanos. Os mais perigosos eram os que não bebiam nem se drogavam além da conta. Estavam sempre prontos a matar, enganar, chantagear. Tinham um faro clínico para saber quem era quem naquela selva – se concorrente, tira, neófito, otário, carne nova ou burro velho. E agiam de acordo.
Por isso não fui assediado por garotas de programa, dançarinas, vendedores de drogas ou produtos roubados. Os vigias do lugar também não me pararam para tirar satisfações. Todos sabíamos com quem estávamos lidando. Um caçador reconhece o outro.
Andar por ali estava me deixando inquieto, despertando lembranças de um tempo em que eu não sabia bem quem era, nem o que viria a ser. Talvez tivesse me corrompido, ou morrido ainda jovem, arrogante e tolo que eu era. Minha sorte foi ter encontrado um mentor que me colocou no caminho certo*.
Sinto-me imundo, conspurcado pela sujeira reinante. Por que afinal, aceitara vir?
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Timmy foi meu informante durante alguns anos, assim que comecei na carreira, ainda na polícia. Eu saí da corporação, ele sumiu no mundo. Soube depois que se encalacrara, metera-se com uns tipos espertalhões demais para ele, simples rato de esgoto, e acabou na cadeia.
Timmy. O típico pobre coitado. Tinha a aparência de um coveiro desnutrido, muito magro para seus paletós avoengos, faces cavadas, pele amarelenta de quem nunca pega sol, as bolsas intumescidas debaixo dos olhos esbugalhados de quem sempre podia pegar um pouco mais. E as mãos finas e nervosas de quem começou a vida batendo carteiras e roubando nas cartas. Era um alcaguete. Informante. Leva e traz. O fundo do poço. A escória desprezada pela escória. Esse o destino de quem não era esperto ou forte o suficiente para se impor naquele mundo subterrâneo de pilantras de 5ª categoria que jamais alçariam o estrelato das grandes avenidas e dos edifícios de 40 andares. Alcaguetes. Ninguém gosta, mas todos usam.
Fora muito útil para mim e alguns colegas, até que a vida soprou seu vento forte e cada um foi para um lado. Eu fui para um 'lado bom', como disse. Já Timmy afundou cada vez mais na sarjeta de onde nunca emergiria. Suas informações, embora boas e confiáveis, agora só eram úteis para iniciantes e pés de chinelo. Não sou nem um nem outro.
De forma que, quando soube que queria falar comigo, me surpreendi. Tentei encontrá-lo em lugar menos insalubre, mas ele disse que não tinha condições. Fiquei com pena. Timmy era desses que a gente tem pena. A vida é muito dura com os mais fracos. E eu estava curioso.
Então eis-me aqui, nessa volta ao tempo. Mal cheguei e já quero ir embora.
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O pulgueiro no qual Timmy se hospedava era um prédio comercial, por assim dizer. No andar de baixo, um dance bar, no qual homens, mulheres, travestis se ofereciam para dançar em troca de uma ficha que valia uns míseros trocados e dava direito a uma dança, uns cheiros no cangote, uns apertos na bunda. Se o freguês comprasse uma bebida ou subisse para um dos quartos, o dançarino estava com o prato de comida ou o aluguel garantidos. E assim seguiam a vida. No andar de cima, apartamentos, alguns de alta rotatividade, o prédio abrigava, em sua maioria, ex-detentos que não se enquadravam na vida aqui fora; ex-cafetinas sem garotas a explorar; ex-putas ou garotos de programa desgastados demais para serem desejados; alcaguetes sem serventia. Todos velhos. Todos cansados. Timmy morava num puteiro residencial. Um lugar barato, que eles podiam pagar de uma forma ou outra. Tirei meu revólver do coldre. Não se pode andar despreparado em um lugar de desesperados..
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Última à direita, perto da janela, Timmy dissera. O corredor era extenso e comprido. O papel escuro e queimado pelo tempo que recobria as paredes mostrava borrões tristes, lugubremente iluminados pela luz baça e mortiça das lâmpadas frias.Ouvia-se o que acontecia atrás das portas e paredes finas: televisões altissonantes, gemidos – alguns de dor, outros de prazer fingido -, choros, ranger de dentes. Discussões acerbas Silêncios sepulcrais.
Bati. Timmy abriu sem nem mesmo perguntar quem era. Levei um choque. Ele parecia ter encarquilhado e encurvado, mais magro, as faces chupadas, os olhos flamejantes. Os anos, definitivamente, não foram gentis. A vida bate sem dó nos mais fracos.
Ele viu o revólver e escancarou a porta, mostrando que só havíamos nós dois ali. Entrei.
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Continua dia 26 de abril a 2ª e última parte.
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Comentários
Bjs
Mary
❤
Quanto ao glamour de espiões, só nos filmes. Os verdadeiros espiões podem ser a "moça do cafezinho", o estagiário da empresa de informática, e por aí vai!