ELOGIO À RAZÃO PURA >> JANDER MINESSO
Existe um ditado que diz: “É melhor ser feliz do que ter razão.” Mentira. Ter razão é ser feliz. E que fique claro: estou falando da habilidade de estar certo, não da faculdade de raciocinar. Ambas são raras, mas a primeira é muito mais interessante do que a segunda.
Minha avó, dona Maria, tinha um ditado perfeito para ilustrar isso. Certo domingo, vovó passou lá em casa de visita. Enquanto ela e eu assistíamos ao Padre Marcelo no Gugu, meus pais começaram a brigar na cozinha. O motivo? A macarronada do almoço. Teve gritaria, troca de acusações, disputa pela árvore genealógica mais italiana… um horror. Lá pelas tantas, a vó Maria olhou para mim rindo e disse: “Razão é uma só e todo mundo quer ter, né?” Resultado da briga: meu pai fez o macarrão do jeito dele, deu errado e minha mãe passou a tarde com um sorriso de orelha a orelha.
No fundo, não existe razão quando a gente quer ter razão. Você passa décadas da vida construindo um castelinho de verdades, bloco por bloco. “O sucesso de cada um depende apenas de si.” “Vacina mata.” “Um cara criou sozinho tudo o que existe em menos de uma semana.” Cada um desses tijolos forma o seu lindo, alto e imponente castelo. Você olha todos os dias para a sua obra e acha aquilo bom. Cada bloquinho é uma certeza diferente, construída com anos de empenho, pouca pesquisa e uma tonelada de viés de confirmação.
Aí, do nada, vem um filho da puta e diz que você colocou um tijolo fora de prumo. Ou pior: o sujeito tem a pachorra de falar que você subiu um muro inteiro do jeito errado. O cu dele. Criticar a construção alheia é uma declaração de guerra. A menos que você seja o Gandhi ou a Madre Teresa, vai querer voar na goela do infeliz que criticou o seu palacete. Pois é: o ser humano é um bicho raso.
Algumas pessoas iluminadas até conseguem construir edificações mais práticas, funcionais, que só têm o andar térreo. A manutenção de um imóvel desses deve ser fácil: se algum tijolo estiver no lugar errado, você tira ele e arruma o que sobrou. De vez em quando, pode ser que caia uma parede aqui, outra acolá, mas com um pouco de paciência e bom senso você consegue reformar a construção e deixá-la habitável. Por outro lado, tem gente que ergue castelos altíssimos, de torre única, empilhando as coisas do jeito que dá, desde que cada bloco se encaixe na sua visão de mundo. A pessoa faz uma obra digna do Sérgio Naya e se enfia lá no topo, refém da própria teimosia.
Você acha que algum argumento vai fazer essa pessoa demolir a torrezinha dela para reconstruir tudo de novo? Claro que não. Ninguém demove um fanático de uma ideia. É preciso muita humildade e amor próprio para perdoarmos os nossos erros. É um ato de coragem gigante admitir a própria falibilidade, desmontar nosso castelo e juntar os cacos para começar outra vez. Por essas e outras, insisto: pode até ser uma felicidade efêmera e pouco louvável; mas ter razão é ser feliz, sim. Se você discorda, tá errado.
Comentários
Vivi algumas experiências bastante intensas de desconstrução de castelos e até hoje não sei se aprendi. Gosto, sinceramente, do pensamento genuíno de que ter razão é ser feliz…
Mas, de forma, mais objetiva, pensando nas palavras da vó Maria e em particular na disputa dominical da macarronada, me lembrei de Hanna-Barbera. Afinal, ao final da cagada “pastificente”, a mamãe deve ter citado o sábio personagem “CONFUSO” de “Carangos e Motocas” com seu tradicional “… mas eu te disse. Não te disse?”.
Algo me diz que ela era boa em prever cagadas.
Incômodo e verdadeiro.
Beleza de crônica.
Com razão ou sem razão o Curintia sem tem razão 😂😂😂