UMA HOMENAGEM TARDIA >> CLARA BRAGA

Quando eu estava no ensino médio, a escola onde eu estudava promoveu um evento chamado feira das profissões.

Eles perguntaram aos alunos quais profissões nós estávamos pensando em seguir e convidaram profissionais de diferentes áreas para palestrar e conversar com a gente, para que nós pudessemos entender melhor sobre as carreiras.

Os mais votados fizeram palestras, outros menos votados ficaram no pátio da escola em stands apresentando seus trabalhos para os alunos que passavam por lá.

Na minha caminhada pelo pátio eu observei em cima da mesa de um dos stands um livro que minha mãe tinha. Aliás, ela não só tinha como ele estava autografado. Se o autor do livro estivesse ali, então uma das profissões para as quais eu votei, havia ganhado um stand: cinema.

Me aproximei timidamente, sem saber o que perguntar exatamente sobre a profissão de cineasta, e logo que cheguei perto do stand só consegui soltar um tímido: esse livro é seu? Minha mãe tem ele em casa.

O senhor abriu um largo sorriso e disse: sim, é meu! Então você já viu o meu livro?

Eu disse que sim e aproveitei para informar que um dos cursos que eu estava cogitando tentar no PAS era audiovisual, pois eu gostava muito de cinema.

Então novamente o senhor sorriu para mim e disse: olha, que legal! Então vamos conversar, eu me chamo Vladimir Carvalho e você?

Aquele nome era comum para mim, meus pais já haviam me falado dele, eu sabia que se tratava de uma pessoa importante, mas não tinha noção do quão importante de fato era.

E na verdade isso não importava, pois o que mais me marcou foi o que ele me disse na breve conversa que tivemos. Ele perguntou quais outros cursos eu também tinha vontade de fazer. Então, eu disse que também pensava em fazer música ou artes plásticas, pois queria ser fotógrafa.

Nesse momento ele falou: sabe o que é mais legal sobre o cinema? O cinema é uma arte muito democrática, não importa o curso que você vai escolher na graduação, você sempre vai poder usar seu aprendizado no cinema. 

Então ele começou a exemplificar, para deixar clara a idéia que queria me passar: se você estudar fotografia, pode fazer fotografia para cinema, mas se você optar por música, também terá possibilidades muito importantes no cinema, como a composição de trilhas sonoras. Então, não se preocupe, mesmo que você não faça cinema agora, você sempre poderá fazer cinema.

A coisa mais sábia que você pode dizer a uma adolescente com crise existencial por não saber o que escolher como profissão é justamente o fato de que uma escolha não precisa significar o fechamento de todas as outras portas, mas sim a abertura de infinitas possibilidades. E ouvir isso foi reconfortante.

Acabei fazendo artes plásticas, trabalhando na área da arte educação por anos, para então acabar caindo de paraquedas na área do marketing, o que me fez sentir a necessidade de trabalhar também com vídeo e acabar me matriculando no curso de audiovisual esse ano, anos depois dessa conversa que nunca saiu da minha cabeça.

Desde que ele faleceu, penso em escrever essa crônica, que acabou nunca saindo. Mas hoje quero deixar aqui não só minha homenagem, mas meu muito obrigada a alguém que nem sabe o peso que tirou das minhas costas com suas palavras.

Comentários

Carla Dias disse…
Que homenagem bonita, Clara. Reconhecer a importância de alguém que passou por nós é algo muito especial. E ele não estava errado, né?
Albir disse…
O que ele disse sobre cinema, hoje em dia, vale pra quase tudo. Conheço pessoas com formações que, em princípio, pareciam não ter nada em comum, e que acharam o seu caminho misturando essas competências. É importante tranquilizar os jovens sobre isso.

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