O PRIMEIRO >> Carla Dias
E sobre o lugar, não conhece muitos, não se perde nos pensamentos desbravadores de rumos; rendeu-se ao permanecer. Recolheu-se no reconhecimento das ruas do bairro, das calçadas que levam às avenidas alargadas pela necessidade de espaço para acomodar excessos.
Mudou o jeito de lidar com as pessoas. Ajeitou o sorriso na forma, reconheceu-se no desenho certo para finalizar o início, antes de ele completar o primeiro fôlego. Não tem talento para inícios, eles sempre lhe escapam sem deixar endereço ou interesse.
O primeiro é um desestabilizador. Suas mãos suam, as pernas bambeiam, a vontade é de se esconder nos compromissos que viveriam bem sem o atrevimento dele. Tenta ignorá-lo, dispensando planos, controlando sua cadência, verbalizando a incapacidade de o primeiro ser eternizado pelas promessas que inspira, que são acuadas na nascente da sua chegada.
No primeiro passado, prometeu não mais fazer listas de desejos, apegar-se ao delírio de que é começo o que nem terá chance de ser. Decidiu que, no próximo, se comportaria diferente, almejando mudanças não patrocinadas pelo delírio de um primeiro que mais parecia repetição. Mas virou em uma rua da qual não sabia o nome, desconheceu direção, percebeu-se na fragilidade do provável. Escapou-lhe um sorriso desprendido de medida, ousando provocar outros.
Pensou em mudanças fundamentais, inícios necessários, lugares importantes. Respirou fundo, reconheceu, mais uma vez, a vitória dele. Enquanto prometia que durante todos os outros dias se dedicaria a domar o frenesi do próximo primeiro dia do ano, mudou o disco, dançou pela sala, bebeu o vinho prometido para ocasião especial – que nunca chegava – e gritou, em coro com os desconhecidos da cidade, “Feliz Ano Novo!”.
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