PORTAS >> Carla Dias
Elas se abrirão. Serão do mundo, escancaradas. Ele só pensa no sentir falta de observar bicho-pessoa desfilar do gargalo da crueldade à mais insana benevolência, vivendo, no meio do caminho, um sem-fim de possíveis dores e instáveis amores, até um fartar-se em redenções. Sente falta de caminhar até chegar a lugar nenhum, um “bom-dia!” ou outro a lhe inspirar a frágil afetuosidade, por conta de uma languidez a fazer morada na voz de quem desaprendeu a falar bem da vida. Gosta menos do que a diplomacia permite revelar. Menos banalidades, menos projetos, menos batalhas. Menos é o corpo a caber na medida das linhas da palma da mão da misericórdia. Ele se vale dela para descansar da reverberação, da necessidade do grito. Lembra dos ensinamentos de encolher espírito, a fim de não o danificar durante encontros com pecados de gerar instabilidade intelectual, pois o corpo tem essa voz de fazer gente esquecer a razão, mas também sublimá-la. Negou-se a aprender. Para ele tudo é mistura. A pureza é mistura, o vandalismo intelectual é mistura, a loucura é mistura, o amor é mistura. Agonia-se a observar linhas retas e perfeitas a separarem o que deveria vibrar no uníssono da incerteza. Para a pele, anestesiada de saudade, a desejar estremecer ao toque do outro, rastros da beleza despida do óbvio. Mesmo que pareça tudo tão suspenso e misterioso, é impreterível versar sobre o impossível para infernizar certezas. Ao ter de encarar o inimaginável, usa suas prisões particulares como tempo necessário para conviver com si mesmo. Logo o tempo não será mais o de calendário. Elas se abrirão, não apenas as metafóricas. Não apenas as das salas de estar. Portas não serão mais apenas portas. Ele vai abrir uma delas e se oferecer ao mundo, garantindo a ele ter o que mastigar.
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